Parte final da entrevista de BRIGID SCHULTE
ao neurocientista John Kounios publicada hoje, noPÚBLICO/Bloomberg/The
Washington Post, com o título Faça estas oito coisas e tornar-se-á mais criativo(a) e perspicaz,
afirmam neurocientistas,
"O
neurocientista John Kounios, professor de psicologia da Universidade de Drexel
(em Filadélfia, nos Estados Unidos) e co-autor, com o seu colega Mark Beeman,
do livro The Eureka Factor (O
Factor Eureka), estuda a forma
como a criatividade – e esse momento em que de repente percebemos algo [insight em inglês] começam no cérebro.
(…)
E com base em estudos
científicos, sabemos que o facto de alterar alguns aspectos do nosso ambiente
pode ajudar.
1)
Ser positivo(a): Tem havido muita investigação, nos últimos 20 a 30 anos, que
mostra que ser positivo (a) aumenta a criatividade. Quando a nossa disposição é
algo negativa, ansiosa, isso melhora, pelo contrário, o pensamento analítico.
A
criatividade provém de um sentimento de segurança. Quando nos sentimos em
segurança, somos capazes de arriscar. E a criatividade é intelectualmente
arriscada. As ideias novas podem estar erradas. Pôr essas ideias em prática
pode suscitar resistências.
Quando
sentimos ameaças subtis, inconscientes, temos a impressão de que não nos é
permitido errar. Precisamos de ficar focados no tema em causa, não nos podemos
afastar do problema em si ou daquilo que temos de fazer.
Nós
também observámos que a existência de prazos, que subentende uma ameaça
implícita ou consequências negativas se não forem respeitados, pode gerar
ansiedade e deslocar a nossa estratégia cognitiva para uma forma mais analítica
de raciocínio. Os prazos podem conduzir a um aumento da produtividade
analítica, mas se um empregador quer mesmo qualquer coisa “fora da caixa”,
inovador e original, talvez um prazo menos rígido possa suscitar mais
criatividade.
Num
outro estudo, descobrimos que as pessoas que resolviam os problemas de forma
analítica apresentavam maior actividade no seu córtex visual – ou seja, estavam
focadas no exterior. Mas antes de as pessoas resolverem um problema num
instante de revelação, a sua actividade cerebral no córtex visual diminuía:
estavam a focar a sua atenção para dentro.
Também
antes desse instante de revelação, verificava-se uma maior actividade no
cingulado anterior das pessoas, uma região do cérebro situado no meio da
cabeça. O cingulado anterior tem como função monitorizar o resto de cérebro
para detectar conflitos – e também detecta diferentes estratégias de resolução
de problemas. E como não é possível utilizar duas estratégias ao mesmo tempo,
são as mais óbvias que costumam ser fortemente activadas. As outras – as
intuições, os palpites, que tendem a ser mais criativas, até bizarras ou
excêntricas – são menos activadas, mais fracas, mais distantes.
Porém,
quando a nossa disposição é positiva, ficamos mais sensíveis a “apanhar” essas
ideias inconscientes menos activadas. E quando as detectamos, a nossa atenção
pode virar-se para elas e elas podem surgir na nossa cabeça como uma revelação.
Pelo contrário, se estivermos de mau humor e o cingulado anterior não for
activado, seguimos o caminho mais forte, que costuma ser o mais fácil.
Portanto, a boa disposição expande literalmente o nosso pensamento.
2)
Grandes espaços: a atenção perceptual – a maneira como focamos a nossa visão –
parece estar relacionada com a chamada “atenção conceptual”. Se estivermos num
espaço exíguo, por exemplo a trabalhar num cubículo, não é possível dar largas
à nossa atenção visual. Ela permanece focada nesse espaço estreito. E quando a
atenção visual se encontra restringida, o mesmo acontece com a atenção
conceptual, que se torna estreita e focada, promovendo o pensamento analítico.
Mas
se nos encontrarmos num espaço amplo – num grande gabinete com um pé direito
alto ou fora de portas –, a nossa atenção visual alarga-se para encher esse
espaço e a nossa atenção conceptual expande-se.
É
por isso que muitas personalidades criativas gostam de estar lá fora, de fazer
longas caminhadas na natureza e que vão à procura de inspiração nos espaços
abertos e amplos. Quando conseguimos ver ao longe, podemos pensar de forma mais
lata.
3)
Evitar objectos cortantes: nós descobrimos que quando as pessoas estão rodeadas
de objectos pontiagudos e de arestas marcadas, tais como um sofá anguloso ou um
corta-papel que parece um punhal, isso pode causar aquele sentimento subtil e
inconsciente da existência de uma ameaça. E quando isso acontece, a atenção
estreita-se.
Portanto,
o ambiente ideal para fomentar a revelação súbita é um grande espaço, bem
arejado, “mobilado” com objectos fofos e arredondados.
4)
As cores da natureza: como pensamos na cor vermelha como numa cor da urgência,
associada ao sangue, aos carros de bombeiros e aos sinais de Stop, ela capta e
estreita a atenção. Mas as cores do meio exterior, como o azul do céu ou o
verde das árvores, têm sido associadas à relaxação, à expansão, à geração de um
sentimento de segurança que ajuda a atenção a expandir-se e aumenta a criatividade.
Isto
não vale para todos. Se o nosso passatempo favorito for cultivar rosas,
poderemos associar o vermelho às rosas que amamos.
5)
Fazer pausas: quando estamos bloqueados e marcamos um intervalo para fazer algo
completamente diferente, esquecemos a má ideia em que estávamos fixados. Isso
permite que outras ideias, melhores ideias, cheguem à superfície da nossa
consciência como bolhas. E se estivermos a trabalhar num problema sem o
conseguir resolver, a pausa torna o nosso cérebro mais sensível as coisas à
nossa volta relacionadas com o problema. Ficamos mais observadores e
conseguimos estabelecer uma associação, que a seguir se torna consciente sob a
forma de uma súbita revelação.
6)
Dormir: uma das ferramentas mais poderosas para promover a perspicácia é o
sono. Se estiver bloqueado(a), durma uma sesta, vá para a cama. Conseguirá
expurgar melhor a ideia inútil em que se fixou e ficará mais sensível a pistas
susceptíveis de resolver os problemas.
Uma
das descobertas mais interessantes das neurociências dos últimos 20 anos é que
quando adquirimos memórias, elas são armazenadas sob uma forma temporária e
frágil, semelhante ao cimento fresco. O cimento começa por ser mole e só
endurece quando seca – tornando-se então forte e durável. As memórias também. Endurecem
graças a um processo de consolidação, que decorre principalmente durante o
sono.
De
facto, a consolidação da memória também transforma a memória. Faz ressaltar os
pormenores, as relações ocultas e pode ser a base da criatividade e da
revelação.
É
por isso que existem tantas histórias de pessoas que acordam a meio da noite
com uma ideia nova ou a solução de um problema. Tal como Paul McCartney, que
acordou uma manhã com uma melodia na cabeça. Era a da canção Yesterday.
Simplesmente, apareceu. O sono é um supercarregador da criatividade.
7)
Não fazer nada: não fazer nada é um trabalho criativo, porque quando estamos
conscientemente a não fazer nada, a parte consciente ocupa apenas uma minúscula
parte do nosso cérebro – e que o resto, a parte inconsciente, esse não pára. Há
um processo que os psicólogos cognitivos chamam “incubação” – que é o cérebro a
remoer associações. Essas associações podem depois surgir na consciência como
revelações súbitas. O sono e o não fazer nada são dois supercarregadores do
processo de incubação, por que deixam vaguear a nossa mente sem haver nenhuma
tarefa especial para cumprir.
Quando
as pessoas têm constantemente a mente cheia de tarefas, isso inibe o processo
de incubação. Não quero dizer com isso que as pessoas devam tornar-se eremitas
ou livrar-se de todos os gadgets, que também incentivam a incubação. Mas
precisamos de um equilíbrio entre não fazer nada e fazer coisas. Precisamos de
ambos para alimentar a criatividade e a perspicácia.
8)
Tomar duche: o duche é um sítio fantástico para deixar vaguear a mente, para
incubar pensamentos e preparar o terreno da revelação. Debaixo do chuveiro, a
água é cálida, não sentimos fronteiras entre a nossa pele e o exterior do nosso
corpo. Sentimo-nos expansivos. Há um ruído branco em pano de fundo e o que
vemos está um pouco desfocado, levando-nos a virar o nosso pensamento para
dentro, como se estivéssemos em condições de privação sensorial. Permite que a
nossa mente vagueie e que a nossa atenção se expanda. É por isso que as pessoas
tendem a ter grandes ideias no duche."
Exclusivo
PÚBLICO/Bloomberg/The Washington Post