quinta-feira, 15 de julho de 2010

Entrevista a John Nash

"A minha mente tem a história que tem"
Lutou décadas contra a esquizofrenia - e acabou por vencê-la. Chama-se John Nash e é o génio matemático que inspirou o filme Uma Mente Brilhante.
Nash esteve esta semana em Portugal para participar na 24.ª Conferência Europeia de Investigação Operacional, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
A partir de finais dos anos 1980, depois de 30 anos mergulhado nos delírios da esquizofrenia, começou a melhorar e em 1994 recebeu o Prémio Sveriges Riksbank de Ciências Económicas (A Academia não atribui o prémio Nobel da Economia).

História pessoal
Nascido em 1928 nos Estados Unidos, Nash doutorou-se em 1950 pela Universidade de Princeton com uma tese de apenas 27 páginas que viria revolucionar a área matemática da Teoria dos Jogos.
A partir de finais dos anos 50, Nash desenvolveu esquizofrenia paranóide.


Revê-se na personagem interpretada por Russell Crowe no filme Uma Mente Brilhante, de Ron Howard? A história do filme é próxima da verdade ou muito afastada dela?
O filme é uma ficção selectiva, mas não está completamente afastada da realidade. Alicia e eu fomos consultados - isso fazia, aliás, parte do contrato do filme. Portanto, eles tinham licença artística, mas isso não tornou a história completamente fictícia.
Não diria que me revejo nele. O filme não diz absolutamente nada sobre os meus anos de formação, antes da minha chegada à Universidade de Princeton.
O génio científico anda de mãos dadas com uma certa peculiaridade de pensamento?
Esse é um terreno perigoso. Newton, por exemplo, desconfiava muito dos outros e, a dada altura, parecia psicótico em relação a alguns temas. Nunca foi casado, teve uma vida invulgar e fez experiências de alquimia. Também tinha escritos sobre a religião e as ideias religiosas que eram em parte convencionais para a época, mas também bastante impróprias. Mas quem pode dizer exactamente o que são a doença e a saúde mental?
Continua a fazer algum tratamento?
Não. Fui tratado contra a minha vontade quando estive hospitalizado. É difícil saber se há uma recuperação total quando a pessoa está a tomar medicamentos. Pode ser que haja muita gente em recuperação no mundo que toma pequenas quantidades de remédios quando na realidade não precisa de tomar nada. E que funcionaria melhor se não os tomasse. Mas depende do tipo de medicamento.
Sempre recusou as hospitalizações.
Não há hospitais psiquiátricos bons.
Como saiu da doença?
Eu não aceitava a ideia de ser doente mental. Pensava que o meu delírio era em parte verdade. Em termos políticos em particular. Mas, a dada altura, comecei a rejeitar algumas áreas do pensamento político, em particular as ideias políticas relacionadas com a China.
O meu pensamento político em relação à China tinha a ver com a existência de Taiwan, Hong Kong e Macau, que os portugueses conhecem bem [ri-se] - com Taiwan em especial. Aquilo era bom, era mau? Eu elaborava ideias, imaginava coisas, conceitos secretos.
E começou novamente a trabalhar.
Não foi assim tão simples, mas, em 1995, na sequência do Prémio Nobel, deram-me um gabinete e um cargo de senior research mathematician na Universidade de Princeton, que ainda hoje mantenho.
Qual é o objectivo da sua investigação actual?
Estou a trabalhar numa nova abordagem da teoria dos jogos cooperativos, que tem a ver com a ideia de evolução natural, de evolução da cooperação.
Acha-se livre da esquizofrenia?
Estou livre de sintomas diagnosticáveis. A minha mente tem a história que tem, mas não estou louco. Não pertenço a um asilo de lunáticos.

Extracto da entrevista de Ana Gerschenfeld, Jornal Publico, 15 de Julho de 2010



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