Nathan Spotts Upon the rings of Saturn
“Pan-inflação” é o conceito que pretende identificar o fenómeno que tende a inflacionar rapidamente produtos, ou até títulos académicos. Este novo conceito explica, por exemplo, porque já não se usa no mundo do trabalho o termo secretária mas sim assistente pessoal - a alteração não incide nos ordenados - e também a nível educativo, na multiplicação de títulos académicos acompanhados de fraca competência profissional, em alguns casos.
Deixo-vos um extrato do artigo de Ana Rute Silva que saiu no Publico de hoje, sobre este tema:
"Ao aumento geral dos preços e serviços soma-se a inflação dos produtos, classificações dos hotéis, profissões ou notas dos estudantes. Há um novo termo para isto: “pan-inflação”.
A inflação também chegou aos títulos académicos. Um licenciado hoje terá menos hipóteses de ser recrutado face a alguém que optou por tirar mestrado. O processo de Bolonha trouxe esta realidade e acabou por influenciar o percurso de muitos estudantes. Para ser relevante no meio da multidão, é preciso ir além da média. Por isso, o passo seguinte é o doutoramento.
Há muito mais alunos a fazer doutoramento e muitos mais programas doutorais. Bolonha introduziu o 1.º e o 2.º ciclo”, lembra Joaquim Azevedo, director da Universidade Católica do Porto e ex-secretário de Estado dos Ensinos Básico e Secundário, entre 1992 e 1993.
Ter uma licenciatura e mestrado é “condição sine qua non” para a maior parte das grandes empresas. Nuno Troni, da Michael Page, acrescenta que os critérios de selecção são cada vez mais apertados e restringem o leque de candidatos a um primeiro emprego a um universo específico de universidades e alunos, de preferência com boas notas.
Quando procuram trabalhadores com mais experiência, as empresas têm “critérios máximos de exigência” que vão muito além da formação superior. Nuno Troni revela que os reforços de equipa “são raríssimos”, por isso,na maior parte dos casos o recrutamento serve para substituir alguém que saiu. “As empresas não querem correr qualquer tipo de risco e vão à concorrência procurar alguém que já saiba desempenhar as funções. Estão a fazer contenções de custos, mas continuam a querer os melhores”, nota.
Maria Manuel Seabra da Costa, da PwC, acrescenta que a pressão pelos resultados é muito maior e, hoje, “não há espaço para a tentativa e erro”. A exigência começa na definição do perfil pretendido e, além de experiência, pede-se espírito empreendedor, diz.
Na hora de contratar, a própria consultora analisa as experiências profissionais dos recém-licenciados, o seu envolvimento em associações, estágios de Verão e empenho.
Contudo, António Saraiva, director de recursos humanos, garante que não faz distinção entre um potencial empregado com licenciatura e outro com mestrado. A diferença está na determinação do estudante e no plano que traçou para a sua vida.
A nota final de curso é um primeiro critério de escolha para muitas empresas. Nesta matéria, também se discute a alegada inflação das classificações atribuídas aos alunos.
Alguns estudos citados pela The Economist — no artigo publicado em Abril onde baptizava a “pan-inflação” — referem que, no Reino Unido, a proporção de estudantes com A (nota mais alta) aumentou de 9 para 27% nos últimos 27 anos.
“Essa inflação de notas é uma preocupação genérica dos professores e das escolas. Os alunos consideram como linear o 14 e não o 10."
Nos últimos anos, tem-se assistido a um esforço de limitar essa inflação, fazer comparações e ter regras de conduta”, diz João Pereira, professor do IPAM (Instituto Português de Administração de Marketing), que lecciona há mais de 20 anos. Quando terminou o curso, em 300 pessoas apenas 15 a 20 conseguiram uma média superior a 14 valores. Nos anos seguintes, e já como professor, “era muito comum haver notas superiores a 18 e entre 20 a 30% dos estudantes tinham uma média acima de 14”.
“Há várias explicações. A concorrência entre escolas aumentou, os rankings também pressionavam a mostrar que cada instituição tinha os melhores alunos e, ao mesmo tempo, a avaliação deixou de ser apenas um momento individual [exame] e passou a incluir trabalho de grupo e pesquisa e isso favoreceu as notas. Um aluno pode ser menos bom a memorizar, mas pode ter boas aptidões de liderança”, exemplifica. No ensino secundário, a introdução de exames “veio permitir que a escala de 0 a 20 fosse usada em toda a sua amplitude”, diz por seu lado Joaquim Azevedo, director da Universidade Católica do Porto. “Há critérios de avaliação objectivos”, acrescenta. Como professor (começou em 1989), Joaquim Azevedo usou sempre a escala até à nota máxima. “Ao longo do tempo não passei a dar mais 20. Mantive os meus parâmetros de notas”, garante."
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