Entrevista de Ana Dias Cordeiro à psicóloga Margarida
Gaspar de Matos, que saíu no Publico a 9 de julho de 2017 com o título Não há uma idade certa para se falar da IVG nas
escolas”:
"O que
aconteceu para os jovens deixarem de gostar da escola nestes últimos 30 anos?
Os [nossos] estudos desde 1998 mostravam que os miúdos tinham a percepção de
serem os piores da Europa inteira, mas ao mesmo tempo gostavam muito da escola
— dos recreios, de conviver com os colegas, de algumas actividades e de alguns
professores. Em 2014, baixou o
gosto pela escola em geral, incluindo pelos recreios.
Por que
motivo?
Houve um grande desinvestimento nas áreas curriculares não disciplinares, em
que os miúdos podiam construíam projectos de escola com os professores. Saiu da
escola toda essa componente relacional e de cidadania e a escola passou a
centrar-se unicamente nas aprendizagens, com aquele foco imenso
na Matemática e no Português. Nós não queremos crânios a Matemática
e a Português para depois irem tomar medicação psicotrópica.
As políticas do ensino levaram a essa
situação?
Eu não posso dizer isso assim, mas aconteceu tudo ao mesmo tempo: uma mudança
do clima da escola, das políticas educativas e das expectativas sobre o futuro
que, aparentemente, tiraram o gosto por tudo o que tenha a ver com a escola.
Neste momento, há todo um ambiente economicista que não favorece envolvimento
dos professores. Além disso, as políticas públicas têm que ter uma
continuidade. A descontinuidade é trágica.
Como
vê esta nova experiência do Ministério da Educação (ME) para flexibilizar
currículos (dar margem às escolas para juntar ou criar novas disciplinas)?
É uma boa ideia os jovens e os próprios professores serem chamados a reflectir
sobre os currículos, porque há matéria a mais para o tempo disponível, e os
professores e os alunos são os melhores para fazer essa análise. Mas uma coisa
é a lei e a outra é o que vai acontecer.
Se
for bem feito, é bom. É isso?
Se for feito realmente com propriedade. A gestão das escolas, às vezes, define
o que pode ser feito entre o excelente e o péssimo. O Ministério tem que
monitorizar para, pelo menos, o médio acontecer nas escolas todas.
Qual
a sua opinião acerca do recente projecto do ME de “referencial de educação para
a saúde” (orientações às escolas) em que se propunha abordar
com os alunos do 2.º ciclo a questão da Interrupção Voluntária da Gravidez
(IVG)?
Eu estou contra um professor chegar a uma aula com um power point e falar de
IVG como se fosse matéria. A questão nunca se pôs assim. A questão é se,
nalgumas condições, será lícito falar disso."