O artigo de José Ferreira Gomes que saiu no Jornal Publico a 27 de agosto de 2020, com o título “A falácia do sucesso nas candidaturas ao Ensino Superior”:
O efeito desta política de
facilitismo é, a prazo, a desvalorização dos diplomas e a valorização das redes
familiares e sociais (e políticas) de apoio. Baixa o peso do diploma e sobe o
valor da “cunha”.
Como lhe
compete, o ministro Manuel Heitor congratula-se com o aumento do
número de estudantes a chegarem ao ensino superior neste ano de COVID.
Depois, envereda por uma narrativa muito criativa de justificações que vão
desde o reconhecimento pelos jovens dos méritos de estudar até ao efeito do
desemprego. Esta nuvem de fumo tenta encobrir a razão principal, o facilitismo
dos exames do secundário. A pressão já visível nos últimos anos
para que os padrões tradicionais fossem abandonados, aproveitou as condições
especiais deste ano para ultrapassar tudo e dar prémio a todos.
Infelizmente,
um prémio para todos é o mesmo que deixar de premiar quem merece e é esse o
estado a que chegamos. Promete-se uma entrada no Ensino Superior equivalente a
90% da geração de 18 anos. Seria motivo de congratulação se o ensino secundário
tivesse conseguido entusiasmar 90% dos alunos e se a nossa economia estivesse
em condições de absorver 90% dos jovens em atividades associadas com um diploma
de Ensino Superior. Infelizmente, nenhuma destas hipóteses é verdadeira e
estamos a criar falsas expectativas numa geração que vai culpar-nos daqui a
poucos anos pela enorme frustração que inelutavelmente vai sofrer. Estamos a
incubar um aumento dramático da já elevada emigração qualificada jovem e a
criar fortes desequilíbrios na sociedade. Vamos mostrar a esta
geração que afinal não valeu a pena estudar e que melhor fariam ter-se
inscrito e trabalhado no partido certo para subir na vida!
“Teachers gave implausibly
high predicted grades” era o título de um jornal inglês na semana passada. Em
Inglaterra, o problema chega às primeiras páginas. Na ausência dos tradicionais
exames finais, o acesso às boas universidades depende este ano das
notas internas e os professores não se fizeram rogados, ofereceram notas
muito acima do normal. O Governo ainda tentou corrigir a anomalia através de um
processo de renormalização, mas cedo desistiu transferindo para as
universidades o difícil trabalho de seleção daqueles que
poderão acompanhar o nível de exigência dos cursos em que pretendem
inscrever-se. Nas boas universidades, o número de entradas não subirá muito
pelo que apenas os melhores lá chegarão. Só que o processo de seleção é mais
difícil pela ausência de uma boa demonstração das suas competências atingidas e
do seu potencial previsível.
Em
Portugal, não só foi dado maior peso às notas internas (apesar da
recorrente queixa das enormes desigualdades entre escolas, mesmo entre
escolas estatais) como foram criadas regras especiais para garantir que todos
tinham boas notas nos exames, apesar das falhas na sua preparação. E,
finalmente, o ministro Manuel Heitor, pode regozijar-se com os resultados:
90.000 jovens chegarão ao ensino superior. Não, não teremos ainda 90% da
geração a entrar imediatamente no Superior: andávamos pelos 40% e damos um
passo seguro para forçar a promessa dos 60%. E isto seria muito bom se fosse o
resultado de um processo sério de reforço da qualidade do Secundário e se o
Superior fosse já capaz de absorver estes jovens em linhas de educação e formação
suficientemente diversas e ajustadas às realidades da nossa sociedade. Mas nada
foi feito neste sentido. Não se conhece um único impulso da política educativa
para preparar os jovens para um ambiente de trabalho mais diverso e mais
exigente. Não se conhece um único impulso para que as linhas de educação e
formação no Secundário e no Superior sejam mais diversas sem deixar de ser
exigentes.
A função do
sistema educativo deveria ser a de apoiar todos os jovens a progredirem no
sentido de atingirem o seu potencial e os preparar para a realização dos seus
sonhos de vida num ambiente de crescente incerteza. É um caminho difícil, mas é
crucial no mundo de hoje e ainda mais num pequeno país há demasiado tempo
estagnado nesta margem atlântica de uma Europa em perda de influência. Não é
com facilitismo que vamos lá. A aparente recompensa imediata virá a ter um
sabor demasiado amargo para a geração enganada e aumentar os desequilíbrios
sociais que forçam as migrações traumáticas.
O efeito
desta política de facilitismo é, a prazo, a desvalorização dos diplomas e a
valorização das redes familiares e sociais (e políticas) de apoio. Baixa o peso
do diploma e sobe o valor da “cunha”. A promoção social pelo estudo é
prejudicada, reforçando-se a garantia de sucesso aos mais bem ligados pela rede
de “apoio informal”. Num país desigual, estamos a reforçar as condições para a
transmissão desta desigualdade para as gerações futuras.