segunda-feira, 18 de julho de 2016

O capital não gosta que o trabalho tenha qualquer poder de monopólio no mercado


Parte da Entrevista de Alexandra Prado Coelho a David Harvey, no Jornal Publico de hoje, com o título “Ler Max hoje faz todo o sentido":

"Quando é necessário apresentar David Harvey em duas palavras, geralmente usa-se a expressão “geógrafo marxista”. Que é, obviamente, redutora para descrever este britânico de 81 anos há várias décadas a viver nos Estados Unidos, onde é professor de Antropologia e Geografia na Universidade da Cidade de Nova Iorque (CUNY).
Fala-se hoje muito no empreendedorismo, nas pessoas criarem os seus próprios empregos, há startups por todo o lado. Como vê isso?
Há histórias maravilhosas sobre pessoas que se tornaram empresários brilhantes, mas há muitas que tentaram isso e não resultou. Mesmo quando resulta, envolve imensa auto-exploração. Há cálculos sobre a quantidade de trabalho que é feita colectivamente na Internet e a remuneração por ele é de menos de dois dólares por hora. Há muita auto-exploração a acontecer nessa área e só nos apercebemos das histórias de sucesso que aparecem nos jornais. Quantas pessoas falham? Ou quantas fazem trabalho do qual outras se apropriam? Organizações como a Google ou a Amazon são óptimas a apropriar-se do trabalho dos outros.
Que valor tem hoje o trabalho, comparado com outros períodos históricos?
Costumava ensinar Marx há 40 anos, quando havia um mundo social-democrata à nossa volta, e não fazia muito sentido. Mas experimente ler agora o volume 1 do Capital e verá que é exactamente o que está a acontecer. Ler Marx hoje faz todo o sentido. De certa forma, estamos a voltar às condições de trabalho do século XIX, que é o que o projecto neoliberal pretendia: reduzir o poder do trabalho e pô-lo numa posição em que não tem capacidade para resistir a processos maciços de exploração.Depois há o desenvolvimento de tecnologias que tornam o trabalho cada vez mais redundante. Em Baltimore, em 1969, havia 37 mil pessoas a trabalhar na indústria do aço. Em 1990, a indústria produzia a mesma quantidade de aço com 5000 pessoas. Isto tem sido uma característica dos últimos 30, 40 anos. Muito trabalho tornou-se redundante, primeiro na indústria de manufactura e agora também no sector dos serviços. Cada vez mais, como consumidor, eu é que faço o trabalho. Sou explorado no consumo. Acabamos com uma massa de população dispensável que não tem meios de emprego e que se vai safando com pequenos trabalhos aqui e ali.
A teoria da destruição criativa [que parte, aliás, do pensamento de Marx] diz que a cada grande avanço tecnológico se destroem muitos empregos e tipos de trabalho mas que surgem outros novos. Não vai acontecer o mesmo agora?
Mas rapidamente um trabalho passa de ser uma tarefa que exige alguma qualificação para ser uma coisa que qualquer um pode fazer. Há 20 anos, os programadores informáticos eram muito qualificados, agora toda a gente sabe criar um site. Surge a necessidade de trabalho qualificado que quase instantaneamente é desqualificado.
O capital não gosta que o trabalho tenha qualquer poder de monopólio no mercado, por isso garante que a massa das pessoas desenvolva esses conhecimentos rapidamente. Os programadores informáticos já não recebem hoje salários ao nível do que recebiam há vinte anos. E isto acontece em todas as áreas.



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