O artigo do psiquiatra Daniel Sampaio, com o título “De novo a indisciplina”, publicado na Revista 2 do Jornal Publico de 3.3.13.
“Na crónica da semana passada reflecti sobre a indisciplina no espaço escolar e propus algumas medidas que a escola poderá pôr em prática para minorar este problema.
Hoje começo por afirmar que muitas aulas seguem metodologias de há 50 anos: longas exposições dos professores, sem direito a perguntas por parte dos alunos; utilização do quadro como único material de suporte, mesmo que agora já não seja o “quadro preto” do meu tempo; pouco trabalho de grupo e de pesquisa; métodos tradicionais de controlo disciplinar, como admoestar, gritar ou “pôr na rua”, como faziam, na minha adolescência, os maus professores do Pedro Nunes.
Estes métodos conduzem depressa à indisciplina: educados em famílias onde todos podem participar ou, em muitos casos, em famílias desestruturadas sem quaisquer regras, os alunos de hoje reagem a esta organização “vertical” da sala de aula, onde só fala um e 30 têm de estar longos minutos em silêncio. A sua experiência quotidiana é diferente: na família, predomina a organização “horizontal”, onde a sua palavra é estimulada ou, na pior das hipóteses, provêm de agregados familiares em que o caos é a regra. Olham para o Facebook e observam uma participação intensa, sem limites, onde não raro está presente a grosseria e a falta de respeito. Por essas razões, mesmo com contextos familiares muito diversificados, a indisciplina é, infelizmente, uma característica geracional.
Um professor só pode ser respeitado se, de facto, respeitar os seus alunos. Esta exigência implica uma complexa arte de saber ouvir e, ao mesmo tempo, conseguir obter o silêncio; ser firme sem autoritarismo; nunca cultivar o “deixar andar” face a um comportamento desrespeitoso dos jovens.
Todos os alunos merecem um estatuto e uma dignidade, tal como os professores, o que só se consegue com empatia mútua. O respeito e a ordem na sala de aula não se obtêm com medidas punitivas primárias, nem com a permissividade do “fazer de conta”. É crucial encontrar um equilíbrio entre a definição do “estar na aula” por parte do professor e esse “estar” por parte do aluno, o que só se consegue através de uma relação pedagógica estruturada, organizada a partir do trabalho conjunto e de um adequado relacionamento interpessoal.
Ora o que acontece, em muitas aulas, é o contrário: impedido, pela organização “vertical”, de poder ter voz activa na sala, o aluno de hoje depressa recorre à acção indisciplinada e clandestina para obter o seu “controlo” da aula.
O professor não funciona se não tiver um espaço estruturado para ensinar. Para isso, necessita responsabilizar toda a turma e não a dividir em “bons” e “maus” alunos. Só consegue êxito se organizar os alunos num espaço de cooperação, onde a procura da entreajuda e solidariedade entre os mais novos deve ser sempre estimulada. Também é necessário que o professor demonstre uma compreensão e conhecimento efectivos da realidade actual dos alunos, respeitando a sua privacidade mas estando disponível para a escuta e aconselhamento.
Verifico pouca reflexão sobre estes temas nos meus diálogos com professores e alunos. Predominam a crítica do outro, o desânimo e a eterna espera de que o ministério melhore, onde deveria existir a construção recíproca do saber estar hoje numa sala de aula.”
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