quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Há uma reorganização no cérebro na adolescência


Sarah-Jayne Blakemore

Entrevista a Sarah-Jayne Blakemore ao Jornal Publico P2 de 31 de Outubro de 2011.
Entrevistada por Ana Gerschenfeld, aqui está a parte inicial: 

O cérebro adolescente transborda de emoções, de vontade de fazer coisas desmedidamente arriscadas, mas o seu dono ainda não consegue pensar como um adulto e controlar os seus impulsos. Não sabe prever as consequências dos seus actos.
Sarah-Jayne Blakemore, especialista em neurociência cognitiva no University College de Londres, estuda o desenvolvimento biológico do cérebro dos adolescentes – e em particular daquilo que chama o “cérebro social”, aquela parte do cérebro que permite a um ser humano, desde muito cedo, colocar-se no lugar do outro, conferindo-lhe capacidades de interacção social únicas.
A visão que está a emergir graças às técnicas de visualização do cérebro em acção é que o cérebro adolescente ainda tem um longo caminho pela frente para se tornar adulto. O que poderá, por exemplo, ter implicações em termos pedagógicos.
Sarah-Jayne Blakemore esteve há dias em Lisboa para participar no Fórum Gulbenkian de Saúde, este ano dedicado ao tema “Labirintos da Adolescência” (aceder aqui). 

Interessa-se pelo desenvolvimento do “cérebro social” nos seres humanos. O que é o cérebro social?
O que entendo por cérebro social é a rede de regiões cerebrais que estão implicadas na nossa compreensão dos outros – as suas mentes, intenções, as suas emoções. É o que nos permite interagir com outras pessoas.

Até recentemente, pensava-se que o cérebro humano parava de se desenvolver cedo na vida. Hoje, sabe-se que continua a desenvolver-se durante décadas. O que é que acontece no cérebro, em particular durante a adolescência?
É um facto que a maior parte do desenvolvimento cerebral acontece muito cedo. Mas o que mudou é que agora percebemos que o cérebro humano continua a desenvolver-se ao longo da adolescência e até à casa dos vinte e mesmo dos 30 anos. Só descobrimos isso há 10 ou 15 anos, quando nos tornámos capazes de visualizar o cérebro humano em acção graças a tecnologias como a ressonância magnética. E sabemos hoje que o cérebro (e em especial o cérebro social) sofre uma espécie de reorganização no início da adolescência. Em termos de estrutura e de função. Que continua durante um longo período.

Quais são as diferenças entre o cérebro adolescente e o adulto?
Sabemos que, pelo menos no córtex pré-frontal, a parte da frente do cérebro, envolvido em muitas funções cognitivas superiores como a tomada de decisão e a planificação, ou ainda a consciência de si e as interacções sociais, o número de sinapses (as ligações entre os neurónios) é muito maior no início da adolescência do que na idade adulta. Durante a adolescência, esse número de ligações vai reduzir-se drasticamente
Nas imagens de ressonância magnética, o que vemos é uma redução do volume de matéria cinzenta do cérebro. Por outras palavras, o córtex do cérebro adolescente contém mais matéria cinzenta do que o córtex do cérebro adulto. Isso não é realmente uma coisa boa e, ao longo da adolescência, o excesso de sinapses, de ligações neuronais, vai sendo eliminado, permitindo que o córtex funcione de forma mais eficiente. Acho que é provavelmente o excesso de matéria cinzenta que mais caracteriza o período da adolescência.

É algo como uma receita para uma “tempestade perfeita” no cérebro?
O que acontece é que algumas regiões cerebrais estão mais desenvolvidas do que outras durante a adolescência, porque as diversas regiões cerebrais apresentam trajectórias diferentes de desenvolvimento. Por exemplo, as regiões cerebrais que têm a ver com as emoções estão mais desenvolvidas na adolescência do que o córtex préfrontal, que, como vimos, ainda está longe da maturidade. Portanto os adolescentes, que têm vontade de correr riscos desmedidos, que sentem prazer em fazê-lo, ainda não possuem um córtex pré-frontal totalmente funcional que lhes permita parar e avaliar se devem ou não correr tal ou tal risco. É esse desajustamento entre o desenvolvimento das diversas regiões que pode dar origem a uma “tempestade perfeita”. Mas não tenho a certeza de que esta expressão seja a descrição mais adequada.

A palavra “tempestade” tem sido usada para falar do que acontece no cérebro adolescente por alguns especialistas.
Mas não por mim. Precisamos de uma expressão melhor. Porque “tempestade” tem uma conotação muito negativa e a adolescência não é apenas algo de negativo. De facto, é muito importante poder arriscar, porque se os seres humanos não arriscassem nada nunca conseguiriam avançar na vida. Estaríamos extintos [ri-se]. Arriscar é muito, muito importante para nos tornarmos independentes da nossa família, para construir a nossa identidade própria e a nossa vida... É realmente uma coisa boa.

….


Retirado daqui
Conferência em várias línguas. Escolha a sua.

Sem comentários: