jovens que se suicidaram, vítimas de cyberbullying (da esq. para a dir): Hannah Smith, Ciara Pugsley e Josh Unsworth
CYBERBULLYING - como
funcionam os recreios virtuais
"Ela é um lixo. É
gorda, feia, horrível. Gozem com ela no Ask dela"
-
Já fizeste sexo bitch????
- O sexo fez-me!
- És virgem?
- [Risos] Devias ir
comprar um cérebro. Nem que seja de plástico.
No Ask.fm, fazem-se
perguntas e obtêm-se respostas. Neste diálogo, as respostas são dadas por uma
rapariga do Porto que não terá mais de 14 anos.
No Ask.fm, também se
fazem pedidos. As respostas também podem ser filmadas.
- Mostra um sutien
(sic).
- Mostra a barriga.
No Ask.fm, diz-se o que
se pensa dos amigos, classifica-se numa escala de zero a 10 a beleza dos
colegas, fala-se de sexo.
- Vocês criticam e
"gozam" toda a gente pela maneira de ser e pela orientação sexual??
Só porque é bissexual já é motivo para gozar? Cada um é como é e vocês não têm
nada a ver com isso!! Metam-se na puta da vossa vida crl!
No Ask, elegem-se alvos
entre os colegas, traçam-se estratégias de perseguição, como divulgar o número
de telemóvel de uma rapariga lá da escola e desafiar a comunidade:
- 911 XXX XXX Liguem a
esta puta nojenta. Ela é um lixo. É gorda, feia, horrível. Com apenas 13 anos
já fodeu e fode a 5 euros [...]. Gozem com ela no Ask dela.
Ou:
- Ela n ouve musica de
jeito, so ouve merrrrrda!!!! gosem kom ela no ask dela!!! (sic)
Todos estes diálogos
pertencem a utilizadores portugueses, de 13, 14, 15, 16 anos... No Ask.fm, há
crianças e adolescentes que se identificam, põem o nome, a foto, o endereço de email,
do Facebook. E outras pessoas que não se sabe se são crianças ou adultos,
porque preferem o anonimato. Há portugueses, ingleses... São, em todo o mundo,
60 milhões os utilizadores. A rede social tem estado no centro da polémica no
Reino Unido depois da morte de Hannah Smith, no início de Agosto. A menina de
14 anos foi encontrada enforcada no quarto - o pai diz que ela se matou depois
de ter sido vítima de insultos violentos e continuados no site. Segundo
o jornal The Guardian, os suicídios de seis outros adolescentes nos
últimos meses podem estar relacionados com o cyberbullying cometido no
Ask.fm.
Aqui, as conversas
descambam facilmente. Não é que não haja diálogos inocentes. Há muitos. A
maioria. "Que música descreve o teu dia? O que achas da comida da cantina?"
E palavras doces, troca de elogios, "és linda", "és o meu
mano". Mas também há o resto. E o resto é adultos a meter conversa com
crianças e crianças a elegerem como alvo outras crianças. O que as faz ficar
aqui, tantas vezes, mesmo quando o ambiente fica pesado? Ana Tomás de Almeida,
do Departamento de Psicologia da Educação da Universidade do Minho, vale-se de
uma imagem do mundo animal: perante um ataque, a vítima de um predador pode
"ficar paralisada pelo medo", os músculos não reagem. Será o que se
passa com alguns destes jovens: são "vítimas do efeito predatório".
As pessoas que não conhecem a forma como funcionam estes sites, continua
a investigadora que participou num estudo internacional sobre cyberbullying,
podem achar que a solução para alguém que está a ser vítima é simples: bastaria
desligar o computador, abandonar o fórum para sempre. "Mas, para muitos
miúdos, e muitos adultos também - porque isto não se passa apenas com
adolescentes -, aquele é o seu círculo social; sair do grupo significa
enfrentar o risco de ficar sozinho. E muitos calam o sofrimento, negam que ele
exista, e não saem."
Em teoria, não é assim
tão diferente do que se passa no bullying tradicional - as ameaças mais
ou menos veladas e os insultos que se suportam em segredo nos recreios e
corredores da escola. Mas tem outro potencial. Na Internet, uma mensagem
ofensiva difunde-se num ápice. "É difícil apagar." E o número
potencial de agressores é muito maior - qualquer um pode ser, não é preciso ser
forte para dominar, como acontece no recreio do mundo real. Na verdade, há
estudos que mostram que os bullies (agressores) no mundo virtual já
foram, muitas vezes, vítimas na escola; vingam-se atrás do ecrã, a coberto do
anonimato.
Segundo o projecto EU
Kids Online, 6% das crianças europeias entre os 9 e os 16 anos foram alvo de bullying
online. Em Portugal, apenas 2% dizem o mesmo. Ana Tomás de Almeida cita
outro inquérito, feito por uma equipa que integrou, a 1600 adolescentes dos 13
aos 18 anos, em Lisboa e Braga: 10% tinham já sido vítimas de cyberbullying.
O estudo internacional Health
Behaviour in School-Aged Children, da Organização Mundial de Saúde, mostra
como está bem mais generalizado o bullying presencial: 32,1% dos cerca
de 5000 adolescentes portugueses entrevistados disseram que, no ano anterior ao
inquérito, tinham sido provocados, em média, uma vez por semana. E cerca de 60%
referiram já ter assistido a situações de bullying. A maioria viu,
"não fez nada e afastou-se".No mundo virtual não é diferente.
Este é um ponto-chave na
prevenção do bullying tradicional como no cyberbullying: não só é
preciso que professores e escolas estejam atentos ao fenómeno e lhe dêem o
devido valor, como é necessário envolver os pares numa pedagogia de condenação
deste tipo de comportamentos: "As associações de estudantes, os grupos
juvenis - as acções de prevenção têm que partir de quem está próximo" das
vítimas, sublinha Ana Almeida.
Regresso ao Ask.fm:
perante o ataque à jovem a quem alguém pede que infernizem a vida ligando-lhe
para o telemóvel, há uma rapariga de 15 anos que responde: "OLHA LÁ, QUEM
ÉS TU PARA FALARES DAS PESSOAS DESSA MANEIRA?!" A vítima, essa, fechou
entretanto a conta. Já não está no Ask. Andreia Sanches Jornal Publico 23.8.13
Imagem retirada de http://www.telegraph.co.uk
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