Ed Boyden
Ana Gerschenfeld entrevistou o neurocientista
Ed Boyden, - professor de Engenharia Biológica e Ciências Cerebrais e Cognitivas - de 32 anos que realiza a suas investigações no MIT ( ver
http://edboyden.org/)
Um extrato dessa entrevista que teve o título "Não me parece impossível tornar conscientes certos objetos", publicada no P2 do Jornal Publico de hoje:
Há menos de dez anos, ainda não tinha o doutoramento, inventou em Stanford, com um colega, uma técnica que permite o estudo preciso dos circuitos cerebrais e que, na opinião de muitos especialistas, abriu caminhos na investigação em Neurociências que até aí eram impensáveis. Como primeiro convidado do ciclo de divulgação científica organizado pelo Programa de Neurociências da Fundação Champalimaud, Boyden deu uma conferência perante um auditório cheio, numa noite há duas semanas, no Centro para o Desconhecido, em Lisboa…
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Há uns anos, co-inventou aquilo a que poderíamos chamar um "interruptor genético", para ligar e desligar neurónios com feixes de luz. Em que consiste esta tecnologia?
Ed Boyden: O cérebro é feito de muitos tipos de células diferentes e a questão essencial é conseguir saber como é que essas células funcionam em conjunto para tornar o cérebro capaz de fazer as computações que faz - e também para perceber e tratar as disfunções cerebrais. Ora, como as células cerebrais são essencialmente calculadores eléctricos, para controlar a actividade deste ou daquele circuito de neurónios precisamos de conseguir injectar electricidade apenas nas células desse circuito, mas sem afectar as outras células.
Existem na Natureza muitas moléculas capazes de converter a luz em energia eléctrica, como, por exemplo, as que as plantas utilizam para a fotossíntese. Portanto, o que fizemos primeiro foi procurar essas moléculas numa série de organismos - algas, bactérias, fungos, etc. E, a seguir, conseguimos pô-las a funcionar dentro dos neurónios. Ou seja, encontrámos uma estratégia que nos permite controlar os neurónios com luz.
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Disse na sua conferência que o cérebro é um computador. Sem cair num dualismo corpo-mente, há quem pense que a diferença entre um computador e o cérebro é que o cérebro dá origem a um "eu" (self) consciente, o que nenhum computador faz. O cérebro é mesmo apenas um processador de informação?
Ed Boyden: [pensa um momento] Acho que isso depende de um certo número de definições. Está a dizer "só um processador de informação" como se isso não fosse nada. Por que é que o "eu" não seria um certo tipo de informação? E por que é que um computador não seria capaz de processar fosse o que fosse? Há uma escola de pensamento segundo a qual tudo é computação - que afirma que, quando deixo cair esta caneta na mesa, ela calcula as leis da gravidade.
Concorda com esse ponto de vista?
Ed Boyden: Está a tornar-se cada vez mais óbvio. Por exemplo, o genoma contém um código feito de três mil milhões de bases. Cabe num CD. Esse código é lido e são produzidas proteínas e enzimas que, por sua vez, executam outros programas, que constroem células e organismos que funcionam graças a sinais elétricos que operam sobre o substrato celular. Mas é claro que as moléculas que geram os sinais elétricos também estão codificadas no genoma. Portanto, podemos considerar que o corpo humano utiliza esses três mil milhões de bases como um programa de computador que também contém o código do seu próprio hardware. [pensa um momento] Nesse sentido, toda a biologia é computação.
Mas nós estamos lá dentro, com a nossa narrativa pessoal.
Ed Boyden: Sim, mas isso não está em causa. É muito possível, e há quem o tenha proposto, que o "eu" também seja computação. Do ponto de vista evolutivo, era essencial ter algum tipo de processo capaz de construir histórias e significados. Se olharmos para as áreas tradicionais da informática, como a inteligência artificial [IA], é essa capacidade de derivar significado dos fenómenos que os informáticos da IA gostariam mesmo de conseguir reproduzir num computador. E estão a fazer alguns avanços nessa direção.
Do ponto de vista das Neurociências, o que estamos a tentar perceber é justamente como é que, concretamente, derivamos significado dessa gigantesca quantidade de informação que entra constantemente no nosso corpo através das nossas células sensoriais, mas também da nossa própria memória.
O cérebro processa a informação da mesma maneira que um computador?
Ed Boyden: É óbvio que o cérebro funciona de uma maneira muito diferente dos computadores atuais. Os computadores de hoje não são muito inteligentes. A arquitetura dos computadores actuais remonta à era da Segunda Guerra Mundial, quando as pessoas pensavam que devia haver uma lista de instruções e um único processador dentro do qual as instruções desfilassem - e uma memória, onde os dados sobre os quais essas instruções agem estivessem armazenados. No fundo, é um computador muito pequeno com muita memória. Ora, muita gente pensa que o cérebro funciona de outra maneira. No cérebro tudo é memória, o armazenamento acontece em todo o lado e o processamento acontece em todo o lado, o que representa uma perspectiva muito diferente.
Talvez se consiga um dia simular um cérebro num computador - ou pelo menos partes do cérebro. Isso significa que são a mesma coisa?
Ed Boyden Suponhamos que uma pessoa sofre de depressão - perdeu a esperança, a motivação, acha que nada do que faz vale a pena. Podemos pôr um eléctrodo numa parte do seu cérebro chamada área 25 e, de repente, quando ligamos esse estimulador eléctrico, que é controlado por um computador exterior, a pessoa torna-se mais enérgica, mais motivada, sente-se mais ligada aos outros, a sua maneira de estar no mundo muda totalmente. De certa maneira, podemos dizer que temos aqui um híbrido de humano e computador, não é? O computador sabe exatamente quais os impulsos elétricos que deve emitir, possui circuitos que lhe permitem enviá-los na altura certa - e está a transmitir para a parte certa do cérebro.
Imaginemos que inserimos não um, mas 100 eléctrodos no cérebro dessa pessoa. Agora, já temos a capacidade de lá introduzir informação para, por exemplo, codificar certos tipos de memórias. Suponhamos então que a pessoa tem a doença de Alzheimer ou sofre um AVC e que parte da sua memória é destruída. Se houvesse uma maneira de codificar as memórias, de fazer um backup e de, a seguir à doença, fazer chegar essa informação às células que foram poupadas, seria possível tornar a inserir as memórias perdidas.
Muita gente anda a pensar nisso, a perguntar-se se seria possível armazenar memórias para que, em caso de perda de certas áreas do cérebro, fosse possível restaurá-las.
Demos mais um passo: o cérebro de uma pessoa tem agora uma parte informática e uma parte biológica a trabalhar em conjunto. De repente, fica sem a parte biológica do seu cérebro. Ora, acabámos de dizer que podemos utilizar um computador para substituir a parte que foi perdida...
Resumindo: numa primeira fase, tínhamos um cérebro onde, para tratar uma depressão, fora feito upload de um bocadinho de informação externa; depois, numa segunda fase, metade do cérebro fora roubada pela doença de Alzheimer e era substituída por computadores; e, numa terceira fase, a pessoa perdera a outra metade do cérebro e substituía-se também essa metade por um computador.
A maior parte das pessoas não acha este tipo de raciocínio falacioso. Pode ser extremamente difícil de concretizar, não estou a dizer que não, pode demorar muitos anos. Mas do ponto de vista lógico, no fim deste procedimento todo, a única coisa que resta é um computador. Trata-se de uma questão filosófica muito antiga: se substituirmos as células uma a uma por pequenos computadores que reproduzem exatamente o que cada célula faz, no final de contas será que ainda temos uma pessoa consciente? E o que é interessante é que há muita gente atualmente a tentar encontrar maneiras de fazer exatamente isso.
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Portanto, o cérebro não funciona com zeros e uns?
Ed Boyden: Não, o cérebro é uma coisa muito complicada, que transmite sinais através da difusão de gases, de campos elétricos, de todo o tipo de hormonas e moléculas e que está ligado ao resto do corpo.
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Disse que, no seu laboratório, tem adotado uma estratégia de empreendedorismo. O que é que isso quer dizer exatamente?
Ed Boyden A maior parte da ciência é feita porque alguém tem um problema importante que quer mesmo resolver e dedica a sua vida a isso e a tentar dar o seu contributo. Penso que nós temos uma abordagem um pouco diferente: tentamos ver que tipos de problemas são importantes, que tipos de soluções seriam susceptíveis de ser desenvolvidas e o que é que deveríamos fazer para inventar essas soluções e obter resultados. É mais no espírito de alguém que está a tentar criar uma empresa do que no de alguém que diz frontalmente que quer resolver uma questão específica.
E funciona melhor?
Ed Boyden:Não sei, mas se todos estão a fazer de uma maneira, por que não experimentar outra? E um dos efeitos desta abordagem é que as pessoas formam os seus próprios grupos de investigação, ou novas empresas, e podem assim atrair recursos para tentar facilitar a inovação.