Tese de doutoramento aprovada por unanimidade na Faculdade de Psicologia
e de Ciências da Educação da Universidade do Porto indica que professores nem
sempre estão preparados para lidar com bullying homofóbico.
E se um aluno chamar
paneleiro, roto, larilas ou maricas a outro? Os colegas e professores vão achar
que faz parte, é brincadeira, a menos que o outro se tenha assumido como gay. O bullying homofóbico
tende a ser reduzido ao insulto directo e à agressão física. E nem todos os
professores estão preparados para agir.
Portugal aprovou há
quase uma década legislação sobre Educação Sexual, que estabelece o respeito
pelas diferentes orientações sexuais. O investigador Hugo Santos queria saber
até que ponto a violência contra lésbicas, gays,
bissexuais, transgénero (LGBT) está ou não a ser travada. A tese de
doutoramento Discursos sobre bullying e homofobia
na e da escola: que (im) possibilidades de cidadania para jovens LGBT? AQUI foi,
na terça-feira, aprovada por unanimidade na Faculdade de Psicologia e de
Ciências da Educação da Universidade do Porto.
O bullying é uma forma de violência entre pares,
intencional, reiterada, que acarreta uma diferença de poder. O investigador
dinamizou 36 grupos de discussão, envolvendo 351 jovens, na sua maioria
heterossexuais, entre os 16 e os 18 anos, a frequentar 12 escolas do distrito
do Porto, que lhe disseram que isso faz parte do seu dia-a-dia.
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Para ser objecto de bullying, basta ser diferente. E ser
diferente pode, simplesmente, querer dizer ter boas notas. Entre as raparigas,
sobressai o aspecto físico – ter peso a mais ou ter uma altura acima da média.
Entre os rapazes, sobressai a orientação sexual (real ou percebida) e alguma
forma de incapacidade (física ou mental).
Para ser vítima de bullying homofóbico
não é preciso ser gay ou lésbica ou
bissexual, é só não encaixar no arquétipo de homem ou mulher. Um rapaz que
gosta de dançar ou uma rapariga que gosta de jogar futebol, por exemplo.
Desde logo, o
investigador encontrou homofobia entranhada no discurso quotidiano. Amiúde, os
rapazes tratam-se uns aos outros por paneiro, larilas, roto ou maricas.
“Imagine, eu estou aqui entre amigos que conheço há muito tempo e digo: ‘Ó,
és um paneleiro, tu; eu sei o que é que tu queres’”, exemplificou um rapaz. “É
uma maneira de pegar com ele.” Reconheciam nisto uma espécie de performance.
“Paneleiros, larilas, rotos. Essas coisas fazem parte. Não significa que se é
contra os homossexuais ou isso; é uma forma de tratamento, vamos dizer assim”,
disse outro.
Sem intenção de ofender?
Alegaram os rapazes que não há nesse comportamento intenção de ofender.
Explicaram algumas raparigas que eles fazem aquilo “para se armarem”, isto é,
para enaltecer a sua masculinidade. Demarcando-se da possibilidade de serem
vistos como homossexuais, insultando-se uns aos outros daquela forma.
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“Parte substancial daquilo que se entende por bullying homofóbico
está relacionado com processos de construção de masculinidade, manifestando-se
não só, mas sobretudo, com os usos de linguagem homofóbica”, concede Hugo
Santos. Para lá da intenção de quem usa estes termos, “não se deve negligenciar
o efeito” nas pessoas que estão a descobrir que têm uma orientação sexual
diferente ou a lidar com uma identidade de género distinta da que lhe foi
atribuída à nascença ou que têm uma forma de vestir ou de gesticular não
convencional. Não será por acaso que muitos sentem “necessidade de se
esconder”.
As aulas de educação
sexual incluem transmissão de informação sobre métodos contraceptivos,
prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, a violência de género e no
namoro, e diversidade sexual. Os alunos têm experiências distintas, alguns
queixam-se do carácter demasiado tecnicista das abordagens e da repetição das
temáticas, mas parecem ter os conhecimentos essenciais sobre orientação sexual.
O investigador
deparou-se muito mais com um discurso de aceitação (“Cada um é como é; cada um
faz aquilo que gosta; se não afecta a minha vida, quem sou eu para criticar?)”
ou de aceitação condicionada (“Não tenho nada contra, mas se querem ser respeitados
têm de se dar ao trabalho; não é andar por aí a fazer bichices, aos beijos e
isso!”) do que com um discurso de intolerância (“Não é normal! Não é normal!
Normal é homem e mulher!”).
Essa intolerância
revelou-se mais direccionada para o sexo masculino. O que é perturbador, nota
Hugo Santos, é “sobretudo a feminilidade nos homens”. “Se houver um rapaz que
seja [homossexual] e tenha uns tiques e isso, metem-no logo para um canto”,
comentou uma aluna. “Eu não tenho nada contra os gays,
tenho é contra as bichas”, declarou um rapaz. Sem
surpresa, notou que a transexualidade gera ainda mais incompreensão do que a
homossexualidade entre estudantes. “A transexualidade é encarada como uma forma
mais radicalizada de homossexualidade”, observou. “Era recusada, ora como um
exagero, ora como um subterfúgio.” “Já tive um aluno que era
‘diferente’"
Dinamizou 14 grupos de discussão com 75
professores de 12 escolas públicas do distrito do Porto. Muitos usavam a
expressão “aluno/a diferente” quando queriam dizer “homossexual”. E alguns
contavam episódios concretos debullying homofóbico,
desvalorizando a mote orientação sexual (real ou percebida).
“Já tive um aluno que era ‘diferente’ e
às vezes assistia-se a comentários desagradáveis”, relatou uma professora.
Certa ocasião, alguém deixou um guarda-chuva cor-de-rosa no bengaleiro. Quando
se perguntou de quem era, houve logo quem respondesse que devia ser daquele
rapaz. Quando ele faltava à aula, perguntava-se o motivo e havia logo alguém a
dizer algo como: “Deve ter partido uma unha.”
Exemplos como este levam Hugo Santos a
concluir que os professores tendem a desvalorizar o discurso homofóbico, a
ignorá-lo. Quando actuam, o mais provável é limitarem-se a dizer: "Não
chames esses nomes, isso é feio!"
“Em vez de pegar naquele insulto e abordar a questão da violência contida
daquela linguagem, optam por um ‘deixa andar’, ‘faz parte’, ‘é natural’”,
lamenta. Não ajuda que haja hoje “uma retórica sobre policiamento de linguagem
e ‘politicamente correcto’”. Não falta gente disposta a levantar a bandeira da
liberdade de expressão para justificar a linguagem homofóbica e outras.
Resultado: só o insulto directo e a violência física acabam por ser
considerados bullying homofóbico e por merecer atenção de
alunos e professores.
Há professores que admitem não estar preparados para agir. Alguns desses
revelavam ter medo da reacção dos encarregados de educação, se se puserem a
falar de diversidade sexual na aula. “O que poderão pensar?” Outros alegam
falta de competências. “Como faço para trabalhar estas questões? Contacto uma
associação LGBT? Ponho os alunos a fazer trabalhos?” E isto, no entender do
investigador, é algo que deve ser enfrentado."
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