Entrevista
de Samuel Silva a João Teixeira Lopes, sociólogo da Universidade do Porto, um dos
coordenadores do estudo encomendado pelo Ministério do Ensino Superior sobre a
praxe, que saíu no Publico a 6.3.16, com o título: “O ambiente político e social em relação à
praxe mudou” (o estudo: http://www.dges.gov.pt )
Os
“caloiros” são hoje mais críticos das situações de abusos ou violência, conclui
João Teixeira Lopes, sociólogo da Universidade do Porto,um dos coordenadores do
estudo encomendado pelo Ministério do Ensino Superior sobre a praxe. A ausência
de alternativas socializadoras para quem entra na universidade faz com que
estas práticas sejam vistas como incontornáveis.
A praxe
varia em função da região, da instituição e até do curso. O que há de unitário
nestas práticas?
Há um corpo comum que se concretiza numa cadeia de rituais que têm como
principal objectivo separar os que estão dentro dos que estão fora e conferir,
àqueles que passam por esse processo iniciático, o estatuto de quem cumpriu a
passagem. É esse o valor quase mágico do ritual: agregar, dividir, conferir um
novo estatuto. Com base numa relação hierarquizada, de poder, e na observância
de preceitos que são extremamente difusos e muitas vezes até contraditórios,
numa tradição que na maior parte dos casos é uma tradição inventada, porque
adaptada aos contextos.
Um inquérito
internacional feito, no ano passado, pelas redes Universia e Trabalhando.com
conclui que 73% dos portugueses reconhecem ter sido praxados no ensino
superior, ao passo que nos restantes países esse número não ultrapassa os 25%.
Não sendo a praxe um fenómeno exclusivamente português, é um fenómeno
particularmente português. Porquê?
Por um lado, somos uma sociedade em que massificação do ensino superior foi
tardia e é ainda, comparativamente com países do Centro e do Norte da Europa,
incipiente. Por isso, todos os fenómenos relacionados com a frequência do
ensino superior têm ainda uma certa marca de raridade ou de elitismo.
Depois, Portugal tem, em termos
históricos, uma tradição de fenómenos deste género. Não quero dizer que a
praxe, tal como hoje existe, tenha qualquer essência da tradição, porque ela se
adapta às situações, mas há um arco histórico que vem da separação entre a
universidade e o resto da sociedade. Há um terceiro aspecto: em Portugal não
existem alternativas socializadoras na rotina dos estudantes para a integração.
A praxe surge aos olhos dos estudantes como existindo desde sempre e para
sempre. Isto faz de Portugal um caso singular.
É
dito no relatório que alguns estudantes, dirigentes associativos e das próprias
instituições recusaram colaborar no estudo [encomendado pelo Ministério do
Ensino Superior sobre a praxe]. Isso surpreendeu-o?
O ambiente político e social em relação à praxe mudou. A praxe é hoje mais
contestada, particularmente depois do “caso Meco”. Além do mais, há da parte do
Governo actual um discurso assumidamente anti-praxe. Percebemos duas coisas:
por um lado, há estudantes fortemente arreigados à praxe, que recusaram
participar no estudo — o trabalho de campo ressentiu-se disso; por outro lado,
a maior parte dos estudantes que entrevistámos diz que está na praxe
voluntariamente, mas também diz que ela tem que se adaptar e respeitar os
direitos humanos, não pode ser abusiva, nem humilhante. Há uma maior plasticidade
que resulta de um ambiente global que começa a ser menos favorável à praxe tal
como ela existia.
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