Entrevista de Samuel Silva a Peter Felten que saiu no Publico de hoje,
com o título “Na universidade o
objectivo não é estar confortável, é mudar”:
Os estudantes “não sabem tanto como deviam ou
podiam” no momento de se candidatarem ao ensino superior, defende Peter Felten,
professor na Universidade de Elon, nos EUA.
Na semana em que começa o concurso nacional de acesso
às universidades e politécnicos públicos, o ex-presidente da Sociedade
Internacional de Académicos de Educação e Formação, Peter Felten, explica
que cada aluno tem necessidades diferentes, mas que o importante é escolherem
cursos e instituições em que possam pôr-se à prova. Conversa com o especialista
à margem de uma conferência sobre sucesso escolar, em Braga, onde foi convidado
do 5.º Congresso Nacional de Práticas Pedagógicas no Ensino Superior, que
decorreu na Universidade do Minho.
Os estudantes portugueses começaram esta quarta-feira a
fazer as suas candidaturas às universidades. Quanto do seu sucesso no futuro
vai ser definido pelas escolhas que fizerem nestes dias?
Há duas respostas para essa questão. Por um lado, os
estudantes devem perceber que é possível ter uma educação excelente em muitos
lugares. Às vezes, os estudantes têm a crença errada de que há apenas um curso
ou uma escola que é a certa para eles. As instituições são diferentes, os
programas são diferentes, mas há muitos sítios excelentes para estudar. Por
outro lado, é preciso sublinhar que o mais importante é decidir entrar no
ensino superior e fazê-lo de forma séria. Um curso superior tem impactos
significativamente positivos para as carreiras e os rendimentos, mas também
para o tipo de trabalho cívico que estas pessoas farão no futuro.
Quanto é que os estudantes sabem realmente sobre a
oferta existente quando fazem uma candidatura?
Sabem aquilo que as universidades promovem e podem
saber, através de familiares ou amigos, algo sobre as suas experiências. Mas
não sabem tanto como deviam ou podiam saber antes de fazerem as suas escolhas.
O que eles precisam de saber agora é que vão retirar da universidade tanto
quanto aquilo que nela investirem. Isto significa que devem estar prontos
para se desafiarem a si mesmo e testarem os seus limites.
O que motiva realmente as escolhas dos
alunos quando entram no ensino superior?
Alguns estudantes têm obrigações familiares ou
pessoais que os podem levar a querer ficar mais próximos de casa. Outros talvez
precisem do desafio de estarem afastados e de serem independentes. Não há uma
única resposta. O que é claro é que, quando vão candidatar-se ao ensino
superior, os estudantes não podem pensar em qual o lugar mais conveniente ou
qual a decisão mais fácil para definirem o seu futuro, mas antes qual a decisão
certa, que é a que vai desafiá-los para que possam crescer.
O lugar onde se estuda é importante?
O contexto de uma universidade afecta bastante a
experiência de um estudante. A minha universidade está numa cidade pequena
[Elon, na Carolina do Norte, com 10 mil habitantes, está situada a duas horas
de Charolotte, a maior cidade do Estado]. Os estudantes conhecem-se uns
aos outros, há uma comunidade estudantil bastante forte. É evidente na cidade
quem é estudante e quem não é. Se os estudantes forem para uma universidade
como a de Nova Iorque – que é excelente – estão completamente rodeados pela
própria cidade de Nova Iorque. Nunca sabem quando estão num edifício da
universidade e quando não estão.
E isso muda a aprendizagem?
Toda a experiência é bastante diferente. Os estudantes
devem fazer aquilo que sentem que precisam. Querem sentir que fazem parte de
uma comunidade particular, ou querem a experiência de viver numa grande cidade
e ser parte dela?
Há uma discussão em Portugal por estes dias porque o
Governo mudou as regras de acesso à universidade de modo a reduzir o número de
vagas nas duas principais cidades do país e a levá-las para outras zonas do
país.
Os estudantes têm sempre que encontrar um equilíbrio
entre conforto e desconforto. Quando se está na universidade, o objectivo não é
estar confortável, o objectivo é mudar. Viver longe de casa, noutro tipo de
ambiente, em que se é desafiado a não ter tudo aquilo que se está habituado a
ter, é uma oportunidade para aprender sobre si mesmo e sobre o mundo de forma
muito interessante. As universidades devem também aproveitar melhor os seus
contextos locais. O facto de a minha universidade não ser em Charlotte ou em
Nova Iorque pode ser um problema, mas também pode ser um activo. Dizemos aos
alunos que podem fazer coisas ali que não podem fazer em Nova Iorque. As coisas
também podem ser assim em Portugal. Há algo diferenciador em Braga, por
exemplo, que pode atrair estudantes.
Na conferência que deu na Universidade do Minho dizia
que nos dois primeiros anos de curso os estudantes “não aprendem muita coisa”.
Porquê?
É uma combinação de factores. Por um lado, os
estudantes, nesses primeiros anos, não sabem bem por que estão na universidade
e isso faz com que não levem os seus estudos muito a sério. Por outro, os
professores e as instituições não desafiam suficientemente os estudantes e acabam
por contribuir para que esse desinteresse se acentue. Se os estudantes não se
colocarem à prova e se a instituição não os provocar não é surpreendente que
eles não aprendam muito.
Quais são os factores determinantes para o sucesso de
um estudante no ensino superior?
No meu livro mais recente [The Undergraduate Experience: Focusing Institutions on What Matters Most (Jossey-Bass,
2016), sem edição em português] identifiquei seis temas centrais para definir o
sucesso de um estudante de licenciatura: a aprendizagem, as relações pessoais,
as expectativas criadas, a capacidade de melhorarem, a liderança e o
alinhamento. Uma experiência bem alinhada é suave onde tem que ser suave: na
facilidade de fazer uma inscrição, encontrar alojamento, resolver questões processuais.
Mas nas questões intelectuais e nos desafios deve ser exigente.
Esses factores funcionam como um todo ou há um que
tenha maior importância?
No livro dizemos que é um todo, mas pessoas diferentes
vão relacionar-se com eles de formas diferentes. A aprendizagem está em
primeiro lugar.
As universidades nos dias que correm estão
suficientemente focadas nas aprendizagens?
Em teoria, sim, mas na prática as universidades estão
frequentemente concentradas em outras coisas além da aprendizagem, como a
produção científica e a atracção de financiamento para a investigação. Isso é
bom para o corpo docente, pode ser bom para os estudantes de doutoramento, mas
se calhar não o é para os estudantes de licenciatura. Por outro lado, os
estudantes estão também muitas vezes focados em questões pessoais ou de
sociabilização, que são importantes, mas devem percebem que têm que
concentrar-se fundamentalmente na aprendizagem.
Mas a verdade é que defende que as relações pessoais
são uma das forças motrizes da experiência de um estudante de licenciatura.
Temos tendência a esquecermo-nos que os estudantes são pessoas?
Há uma investigação recente muito interessante nos EUA
que diz que aquilo em que os estudantes precisam realmente para serem
bem-sucedidos é ter amigos na universidade que os apoiem quer em termos
académicos, quer em termos emocionais. Os estudantes não podem ter apenas
amigos que sejam divertidos.
Como é que criam ambientes mais favoráveis ao
estabelecimento de relações pessoais fortes nas universidades?
Os estudantes têm de assumir a responsabilidade de se
desafiarem a si mesmos. Não podem passar tempo apenas com as pessoas que já
conhecem ou com pessoas que são semelhantes a si. Devem questionar-se sobre
como conhecer pessoas novas, como alargar a sua rede social. Por outro lado, as
instituições e os professores têm um papel muito significativo. Não podem
pensar apenas em ensinar uma disciplina, mas antes em ajudar os estudantes a
desenvolver relações pessoais com os seus pares que sejam significativas.
Quais são os principais factores que influenciam o
sentimento de pertença de um estudante quando está na universidade?
O que acontece com frequência é que os estudantes do
primeiro ano estão em aulas com turmas muito grandes, que são muito impessoais.
E por isso não é surpresa se não se sentirem integrados. Podemos mudar os
currículos dos cursos, mas também podemos fazer algumas coisas interessantes.
Por exemplo, o professor que dá essas aulas a turmas muito grandes poder usar
técnicas de aprendizagem activa e de trabalho em pequenos grupos para encorajar
os alunos a conhecerem-se e a ligarem-se entre si para criarem esse sentimento
de pertença. Também é possível dar aos alunos apoios académicos.
Como por exemplo?
Tutorias entre pares. Isso já existe, com alunos de
anos mais avançados que funcionam como tutores de alunos mais jovens, mas eu
penso que faz sentido que os tutores estejam presentes na sala de aula. Muitos
estudantes têm dificuldades no primeiro ano, sobretudo nas tais aulas com muita
gente. É normal que isso aconteça. Nessas alturas o ideal é que o estudante
possa falar de imediato com um tutor, que deve estar lá, na primeira fila da
sala de aula se possível.
Como é que é possível usar metodologias de aprendizagem
activa quando os estudantes chegam às universidades com hábitos passivos?
É verdade,
os estudantes têm frequentemente hábitos passivos. Uma coisa que eu faço é no
primeiro dia de aula colocá-los em situações em que estão activos. Não se pode
dar a possibilidade de os estudantes criarem o hábito de ser passivos. Além
disso, falo com os estudantes sobre o porquê de estarmos a fazer o que estamos
a fazer e por que motivo lhes peço para serem activos. Para que percebam não só
o que têm que fazer, mas também por que têm que fazê-lo. Os estudantes vão
encontrar valor nessas actividades se entenderem por que motivo as fazem.
Descobri que muitos estudantes, depois de perceberem que podem ser activos,
gostam muito mais de aprender. É uma experiência muito diferente ir para as
aulas quando se vai estar a falar e a trabalhar sobre problemas interessantes
em vez de apenas escutar e tirar notas.
Isso é algo que se possa mudar a um nível
institucional ou é a tarefa de cada um dos professores por si?
Se os estudantes chegarem com a expectativa de serem
passivos, vão continuar a sê-lo. Têm que ter experiências de aprendizagem
activas em todas as aulas e têm que ser desafiados a serem activos em cada
aula. A instituição pode criar expectativas e pode apoiar os professores a
usarem este tipo de abordagem, mas é cada professor individualmente que deve
criar estas oportunidades para os estudantes.
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