Artigo de Luís
Miranda Correia que saiu no Jornal Publico a 16.7.2018 com o título "Educação de
alunos com necessidades educativas especiais. A profecia cumpre-se"
"Cumpriu-se o “chiquíssimo”
discurso neoliberal centrado na educação do “somos todos iguais”.
Em 24 de maio de 2018 o vaticínio,
ou seja, aquilo que poderia acontecer de negativo no que diz respeito à
educação de alunos com necessidades educativas especiais (NEE), foi aprovado em
Conselho de Ministros, sob a forma de Decreto-Lei. Em 22 de junho de 2018, o
vaticínio tornou-se realidade ao ser promulgado pelo Presidente da República,
tendo sido publicado em Diário da República a 6 de julho (Decreto-Lei n.º
54/2008, de 6 de julho). Cumpria-se a profecia. Cumpria-se o “chiquíssimo”
discurso neoliberal centrado na educação do “somos todos iguais”, uma moda
refinada que ignora totalmente a “significância da diferença” e tudo o que esta
acarreta no que respeita ao sucesso educativo dos alunos com NEE. Uma moda que
agrada a alguns grupos e, talvez, a uma grande parte da sociedade, mas que pode
traduzir-se numa tragédia com consequências imprevisíveis, trágicas até, para
estes alunos.
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O Decreto-Lei n.º 54/2018, de 6 de
julho, que estabelece o Regime Jurídico da Educação Inclusiva, afasta a
conceção de que “é necessário categorizar para intervir”, afirmando ainda que
se procura “garantir que o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade
Obrigatória seja atingido por todos”. Dois pressupostos se colocam. O primeiro
leva-nos a concluir que nesta “diversidade” construída pelo Ministério da
Educação (ME), subentenda-se, as NEE são ignoradas (excluídas?) como que a
parecer uma questão de preferência educativa ou, pior ainda, uma questão em que
as “diferenças significativas” são relegadas para segundo plano, equiparando-as
a uma qualquer diferença banal, tal como a altura de um indivíduo, a cor do
cabelo, as preferências gastronómicas e demais desigualdades triviais. O
segundo ignora, pura e simplesmente, a multiplicidade de características,
distribuídas por categorias, que as NEE englobam, conferindo a cada uma delas
uma identidade própria e diferentes graus de severidade. Ou seja, as NEE
englobam condições específicas de carácter intelectual, emocional,
comportamental ou mental ou de caráter físico ou sensorial, inscrevendo-se,
contudo, todas elas, num contínuo cujo intervalo se situa entre o ligeiro e o
severo. Mais, a existência de uma comorbilidade entre algumas delas pode ser
impeditiva de uma boa aprendizagem, caso não sejam consideradas intervenções
adequadas. Assim sendo, esta nova Lei, ao tentar tratar todos os alunos de uma
mesma forma, não só está a praticar uma discriminação infundada e injusta, como
também está a desrespeitar grosseiramente os direitos dos alunos com NEE.
Um outro aspeto digno de nota diz respeito
ao facto de esta nova legislação se ter apoiado, sobremaneira, como é referido
no seu preambulo, no preceituado na “Convenção sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência (CDPD)”. Aqui, mais dois pontos a destacar. O primeiro
prende-se com a forma como, sem qualquer justificação aparente, se “deita fora”
a designação “necessidades educativas especiais”, embora na CDPD, no artigo que
se refere à educação (Artigo 24) se diga, logo no seu início, que os “Estados
devem reconhecer os direitos das pessoas com necessidades especiais (disabilities)
à educação”. Ao pretender-se excluir do documento o termo NEE, não só se está a
desvirtuar o desígnio explícito na CDPD, mas também se está a reconhecer que,
de facto, as NEE, pese embora a sua natureza ou severidade, passam a ser, neste
Decreto, inseridas na categoria de “todos” e a constituírem-se, como lá se
relata, uma “prioridade política”. Realmente a palavra “todos”, para além de
ser usada em “chavões” que em pouco ou nada têm contribuído para a melhoria da
condição humana, é ainda usada com frequência em política e em religião,
parecendo de há uns anos a esta parte ter-se transferido para a educação com
resultados muito negativos no que toca à educação de crianças e adolescentes
com NEE. Mary Warnock, uma das maiores especialistas nestas matérias a nível
mundial, refere sobre este assunto que este tipo de abordagem à educação de
alunos com NEE faz parte da linguagem apelativa da igualdade - tratamento
igual, igualdade de oportunidades e não discriminação – tendo, no entanto, como
resultado precisamente o efeito contrário quando não se considera a natureza e
a severidade dos problemas que um aluno com NEE possa apresentar. O
“politicamente correto” a sobrepor-se ao “educacionalmente correto”.
Quanto ao segundo ponto, no que
concerne à sujeição do Decreto-Lei n.º 54/2018 ao preceituado no Artigo 24 da
CDPD, para além do enigma de não se inserir (ignorar) a designação de
“necessidades educativas especiais”, operacionalizando-a, e de não se
considerar o papel da educação especial na educação dos alunos com NEE, ele
parece apenas considerar, categorizando, contrariamente à substância implícita
no texto do diploma (não categorização), as necessidades dos alunos cegos
(artigo 14.º) e surdos (artigo 15.º), mantendo-se “mudo” no que respeita às
necessidades específicas dos alunos com outro tipo de NEE como, por exemplo,
alunos com perturbações emocionais e do comportamento, com autismo ou com
dificuldades de aprendizagem específicas (dislexias, disgrafias, discalculias).
Ou seja, a categorização reaparece nestes artigos, embora se refira unicamente
a uma parcela diminuta dos alunos que se inscrevem no espectro das NEE (cerca
de 1 a 2%), discriminando todos os outros.
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Finalmente, pese embora alguns
aspetos positivos que esta nova Lei incorpora, a minha preocupação recai no
facto de ela parecer sustentar ostensivamente a máxima de que “todos” os alunos
beneficiam de uma educação de qualidade quando inseridos numa classe regular
(inclusão total). Este posicionamento moral e político, neoliberal, direi,
parece-me altamente questionável em termos educacionais por, em muitos casos de
alunos com NEE significativas, não ser o adequado. E, se não é adequado, como
se pode entender que seja benéfico e consequente para os alunos com NEE? Na
minha ótica, não consigo entender como um posicionamento deste tipo, que
pretende promover um tipo de educação que, segundo a investigação, não tem dado
resultados positivos, seja respeitador do que quer que seja. Apenas denota
falta de respeito pelos direitos dos alunos com NEE e os de suas famílias.
Termino,
com a avaliação sobre este assunto efetuada pela Organização Mundial de Saúde
que, num dos seus relatórios sobre a educação de pessoas com NEE, afirma que o
conceito de “inclusão total” é irrealista, sugerindo uma abordagem muito mais
flexível."
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