sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Olha lá, quem és tu para falares das pessoas dessa maneira?

jovens que se suicidaram, vítimas de cyberbullying (da esq. para a dir): Hannah Smith, Ciara Pugsley e Josh Unsworth


CYBERBULLYING - como funcionam os recreios virtuais

"Ela é um lixo. É gorda, feia, horrível. Gozem com ela no Ask dela"
- Já fizeste sexo bitch????
- O sexo fez-me!
- És virgem?

- [Risos] Devias ir comprar um cérebro. Nem que seja de plástico.

No Ask.fm, fazem-se perguntas e obtêm-se respostas. Neste diálogo, as respostas são dadas por uma rapariga do Porto que não terá mais de 14 anos.
No Ask.fm, também se fazem pedidos. As respostas também podem ser filmadas.

- Mostra um sutien (sic).
- Mostra a barriga.

No Ask.fm, diz-se o que se pensa dos amigos, classifica-se numa escala de zero a 10 a beleza dos colegas, fala-se de sexo.
- Vocês criticam e "gozam" toda a gente pela maneira de ser e pela orientação sexual?? Só porque é bissexual já é motivo para gozar? Cada um é como é e vocês não têm nada a ver com isso!! Metam-se na puta da vossa vida crl!
No Ask, elegem-se alvos entre os colegas, traçam-se estratégias de perseguição, como divulgar o número de telemóvel de uma rapariga lá da escola e desafiar a comunidade:

- 911 XXX XXX Liguem a esta puta nojenta. Ela é um lixo. É gorda, feia, horrível. Com apenas 13 anos já fodeu e fode a 5 euros [...]. Gozem com ela no Ask dela.
Ou:
- Ela n ouve musica de jeito, so ouve merrrrrda!!!! gosem kom ela no ask dela!!! (sic)

Todos estes diálogos pertencem a utilizadores portugueses, de 13, 14, 15, 16 anos... No Ask.fm, há crianças e adolescentes que se identificam, põem o nome, a foto, o endereço de email, do Facebook. E outras pessoas que não se sabe se são crianças ou adultos, porque preferem o anonimato. Há portugueses, ingleses... São, em todo o mundo, 60 milhões os utilizadores. A rede social tem estado no centro da polémica no Reino Unido depois da morte de Hannah Smith, no início de Agosto. A menina de 14 anos foi encontrada enforcada no quarto - o pai diz que ela se matou depois de ter sido vítima de insultos violentos e continuados no site. Segundo o jornal The Guardian, os suicídios de seis outros adolescentes nos últimos meses podem estar relacionados com o cyberbullying cometido no Ask.fm.
Aqui, as conversas descambam facilmente. Não é que não haja diálogos inocentes. Há muitos. A maioria. "Que música descreve o teu dia? O que achas da comida da cantina?" E palavras doces, troca de elogios, "és linda", "és o meu mano". Mas também há o resto. E o resto é adultos a meter conversa com crianças e crianças a elegerem como alvo outras crianças. O que as faz ficar aqui, tantas vezes, mesmo quando o ambiente fica pesado? Ana Tomás de Almeida, do Departamento de Psicologia da Educação da Universidade do Minho, vale-se de uma imagem do mundo animal: perante um ataque, a vítima de um predador pode "ficar paralisada pelo medo", os músculos não reagem. Será o que se passa com alguns destes jovens: são "vítimas do efeito predatório". As pessoas que não conhecem a forma como funcionam estes sites, continua a investigadora que participou num estudo internacional sobre cyberbullying, podem achar que a solução para alguém que está a ser vítima é simples: bastaria desligar o computador, abandonar o fórum para sempre. "Mas, para muitos miúdos, e muitos adultos também - porque isto não se passa apenas com adolescentes -, aquele é o seu círculo social; sair do grupo significa enfrentar o risco de ficar sozinho. E muitos calam o sofrimento, negam que ele exista, e não saem."

Em teoria, não é assim tão diferente do que se passa no bullying tradicional - as ameaças mais ou menos veladas e os insultos que se suportam em segredo nos recreios e corredores da escola. Mas tem outro potencial. Na Internet, uma mensagem ofensiva difunde-se num ápice. "É difícil apagar." E o número potencial de agressores é muito maior - qualquer um pode ser, não é preciso ser forte para dominar, como acontece no recreio do mundo real. Na verdade, há estudos que mostram que os bullies (agressores) no mundo virtual já foram, muitas vezes, vítimas na escola; vingam-se atrás do ecrã, a coberto do anonimato.
Segundo o projecto EU Kids Online, 6% das crianças europeias entre os 9 e os 16 anos foram alvo de bullying online. Em Portugal, apenas 2% dizem o mesmo. Ana Tomás de Almeida cita outro inquérito, feito por uma equipa que integrou, a 1600 adolescentes dos 13 aos 18 anos, em Lisboa e Braga: 10% tinham já sido vítimas de cyberbullying.
O estudo internacional Health Behaviour in School-Aged Children, da Organização Mundial de Saúde, mostra como está bem mais generalizado o bullying presencial: 32,1% dos cerca de 5000 adolescentes portugueses entrevistados disseram que, no ano anterior ao inquérito, tinham sido provocados, em média, uma vez por semana. E cerca de 60% referiram já ter assistido a situações de bullying. A maioria viu, "não fez nada e afastou-se".No mundo virtual não é diferente.
Este é um ponto-chave na prevenção do bullying tradicional como no cyberbullying: não só é preciso que professores e escolas estejam atentos ao fenómeno e lhe dêem o devido valor, como é necessário envolver os pares numa pedagogia de condenação deste tipo de comportamentos: "As associações de estudantes, os grupos juvenis - as acções de prevenção têm que partir de quem está próximo" das vítimas, sublinha Ana Almeida.

Regresso ao Ask.fm: perante o ataque à jovem a quem alguém pede que infernizem a vida ligando-lhe para o telemóvel, há uma rapariga de 15 anos que responde: "OLHA LÁ, QUEM ÉS TU PARA FALARES DAS PESSOAS DESSA MANEIRA?!" A vítima, essa, fechou entretanto a conta. Já não está no Ask. Andreia Sanches Jornal Publico 23.8.13

Imagem retirada de http://www.telegraph.co.uk

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