segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Testemunho de solidão

Testemunho anónimo de quem já passou pela solidão

    Solidão, como descrevê-la? Não há palavras e se as houver, têm que ter sido sentidas. Aquela solidão que nos mata cada dia, mais e mais. Bem, contarei o meu caso.
    Eu, como todas as crianças, tinha um sonho. Que era…não fazia a mínima. Porque digo isto de uma forma irónica?! Por causa da nossa inocência, quando estamos nesta etapa da nossa vida. Eu querer. Eu queria ter muitas amigas e amigos, roupas que me ficassem bem e me fizessem sentir bem. No meu ver, eu era um pouco ambiciosa. Bem não só isso, no decorrer da minha infância, fui vendo tantas actividades interessantes para fazer, e muitas línguas e outras matérias que poderia aprender para ser alguém com destaque em algum posto ou trabalho. Dizendo isto, em poucas palavras, possuir várias habilitações, habilidades e uma profissão que me agradasse. Pelo menos nisso, não era tão infantil.

    Mas a partir do momento em que entrei na passagem de criança para adolescente, o inferno veio à Terra. Comecei a notar que estavam a aparecer muitas diferenças no meu corpo, muitas das quais eu não estava a gostar. Como as mulheres têm pavor que lhe apareça no corpo, a tal celulite - e pelo me constava na definição de celulite na minha cabeça, só as pessoas gordas é que tinham isso - lá eu com a minha ignorância pensei que estava gorda, e nem sequer o estava. Mas mania é pior que loucura. Fixei que estava gorda até ao ponto de fazer uma dieta radical, numa idade de desenvolvimento, até chegar a uma anorexia nervosa. Tudo o que a minha mãe servia, quando estava só deitava na panela, mas quando tinha alguém por perto, fingia que comia e depois à primeira oportunidade deitava fora o comer. (Disparate !!! Tantas pessoas a morrer de fome e eu a fazer tal acto imperdoável aos olhos de Deus). E tudo o que é feito e é considerado uma asneira, tem más consequências. Perdi mais de dez quilos num mês e meio. Nada bom, ainda por cima naquela idade. Tudo isto foi o motivo de me fechar cada dia um pouco mais, e mais. Até fechar - me em quatro copas ou isolar-me, E isso levou a que eu criasse uma barreira entre mim e os meus colegas, podendo esses serem futuros e bons amigos.
    As amizades que tinha começado a criar desfaziam – se, pois afastava - me cada vez mais dessas pessoas e estas de mim. E, um dos factores do afastamento, foi a mudança de turma, embora se mantivessem quase todos na minha escola. Eu só falava com uma ou duas pessoas. A razão pela qual falava com estas, era por causa dos trabalhos de grupo, e por mais nada.
    Tudo surgiu quando comecei a não gostar de mim como era, tanto psicologicamente como fisicamente. O afastamento foi mais da minha parte, e isto como a minha amiga Anabel diz, é uma solidão imaginária. Porque apesar de sentir que me afastava cada vez mais deles, ainda estabeleciam relação comigo.

   Contudo, o tempo foi passando, e as relações foram cortadas definitivamente. E, como me apercebi que a solidão era o que me atacava nesse momento? Foi quando, por mais pessoas que tivessem a minha volta, parecia que tinha um buraco no meu peito, pois sentia que nunca ninguém iria me perceber. E, não foi só isso, quando mais precisei de ajuda, quem estava o meu lado? Humm…. Acho que não preciso de responder…obviamente… que ninguém. Constatação feita pela minha pessoa, estou só, mas agora, é real esta solidão. A minha família, que convivia comigo, começou a perceber que algo de errado se passava. O motivo pelo qual eles se aperceberam, foi porque não falava e isolava-me no meu quarto e não saia de lá até a hora das refeições, que mal as fazia ou comia. Claro, que toda esta situação foi-se manifestando a nível físico e escolar. Físico, como se diz, parecia uma zombie, por vezes não dormia nada, e ficava com aspecto de doente. E não só por não dormir, pois todos os dias eram derramadas imensas lágrimas numa face tão jovem, em que tinha a vida toda pela frente. Claro, disfarçava de todas as maneiras que não dormia e que chorava. Mas, houve um dia que não consegui disfarçar, e eles obrigaram-me a contar o que se passava. Contudo, nem uma palavra saia da minha boca. Tanto sofrimento que sentia, que para mim viver já não era o mesmo que antes. Que era, todas as manhãs despertar-me e espreguiçar-me e dizer “Este dia será melhor ou igual a todos os outros, espectacular”. Porque dizia isso?! Por causa de eu dar sempre o meu melhor e mesmo que tivesse havido uma discussão ou outra com alguém, nunca faltava um sorriso verdadeiro na minha cara. Pois, não havia motivos para não o fazer. Sorrir faz bem à saúde, tanto que este era sempre retribuído, por quem me conhecia. Também digo, que viver já não era mesmo, devido as responsabilidades começarem a crescer e eu cada vez mais fraca. Como se tivesse num deserto e em vez de puxar pelos meus neurónios e procurar um método para sobreviver e sair de lá, nada fazia. Era uma como uma “sanguessuga”, sugava todas as minhas forças, culpando-me por estar naquele deserto. Ficticiamente dito, era assim que me sentia. E claro, se na realidade tivesse num deserto, iria definhar aos poucos até morrer. Mas como prova, ainda estou viva.
   O que se pode concluir deste sofrimento pelo qual passei? É que superei e ergui a minha cabeça. Como o fiz? Primeiro passo, fazer algo para começar a gostar de mim. Deixar de tentar armar-me em forte e falar com alguém. Quem me surgiu? A minha mãe e depois buscamos uma solução juntas. Comecei a frequentar um psicólogo. E tudo foi-se resolvendo aos poucos. Ahh… se me perguntarem, porque recorri ao exemplo do deserto, e se estive perto da morte? Isto é, se tentei me matar? Não...mas pensei e quase o fazia. Não ia tentar, ia fazê-lo. Mas algo mais forte do que o desespero, impediu-me de fazer isso, o amor que sentia pela minha família. E como ainda tinha esse amor?! Não sei. Por isso comecei a acreditar mais em Deus, porque só Ele poderia despertar tal sentimento numa hora tão negra da minha vida. Esta crença em Deus, faz-me lembrar um dos poetas que a minha amiga Anabel falou, Alberto Caeiro, que vê Deus em tudo.

    Agora, estou vivinha da silva e crente a Deus. Eu quero passar uma mensagem a todos aos que tiveram a ouvir sobre  este caso extremo de solidão: Nunca se isolem. Se precisarem desabafar e compartilhar os vossos medos, façam-no e tentem fazê-lo com a pessoa que mais confiam, e verão que será mais fácil do que afastarem-se de tudo e de todos. E nem pensem, que tal acto é demonstrar que se é fraco. Não!!! Mas sim, que enfrentaram o maior medo que é falar do que sentem ou do que vos atormenta. Enfrentar tal factor, é ser -se uma pessoa muito forte, pois não é fácil, principalmente para os rapazes. E, além disso, procurem ajuda especializada. Estou a transmitir esta mensagem, porque não quero que passem pelo mesmo sofrimento que eu. Ao procurar ajuda especializada, recompus-me, apesar de estar desiludida comigo por causa da minha média escolar. Tendo acabado o secundário, posso ainda fazer melhorias, e é nisso que vou apostar. E vou dar o meu máximo para melhorar nas disciplinas, subir a minha média para ir para Universidade e tirar o curso que quero, enquanto estou desempregada, e como todos sabemos, isto está difícil para todos. Mas não é por isso que deixo de ter motivação todos os dias. Também tenho quem me apoie. Por ter enfrentado o maior medo, que era falar, e tendo passado tanto sofrimento, sinto-me a mulher mais feliz. Sim, porque que já tenho mais de 18 anos. Quis manter o meu anonimato, porque já muitas pessoas sabem do meu caso, não pormenorizadamente, como aqui descrevi. Mas, não quero que me apontem o dedo julgador como fiz comigo mesma. Espero ter ajudado no trabalho da minha amiga.

Antiga aluna de 12º ano

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