A psicóloga Sheri Bauman é especialista em bullying
Entrevista de Catarina Gomes à psicóloga Sheri Bauman, no Jornal Publico de 24.5.15, com o título “Os miúdos aprendem que a pessoa mais agressiva é quem tem mais poder”
"Houve uma necessidade
evolutiva de uma hierarquia e de agressão. Já não precisamos destes
comportamentos para sobreviver mas eles persistem", diz a especialista
norte americana em bullying, Sheri
Bauman.
Sheri
Bauman, psicóloga norte americana especialista em bullying, esteve
em Portugal como oradora do Seminário “Estratégias e medidas de prevenção do bullying e
do cyberbullying”, no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e
da Empresa, em Lisboa. Trabalhou em escolas públicas durante 30 anos, é
professora na Universidade do Arizona e tem várias investigações sobre as
respostas dos professores ao bullying. Lamenta que ainda hoje haja
docentes que recebem denúncias de alunos com respostas como “não sejas
queixinhas”.
Existe uma
história do bullying?
Pode-se dizer que existe bullying desde que há seres humanos
na Terra. Mas a primeira investigação é da década de 1970, na Noruega, foi
levada a cabo por Dan Olweus [professor de psicologia], que se interessou pelo
problema depois de ter havido três suicídios de crianças numa escola, que se
descobriu que estavam ligados, estavam a ser vítimas de bullying. Foi um caso
que galvanizou o pais. Quando se começou a investigar a questão em termos
científicos constatou-se que havia muitos mitos e mal-entendidos sobre esta
questão que não faziam qualquer sentido.
Por exemplo?
Aceitava-se o bullying como algo normal, dizia-se coisas como:
‘toda a gente passa por isso e ultrapassa’, ‘faz parte do processo normal de
crescimento’, ‘eu passei por isso fiquei mais forte’, ‘só os rapazes é que são
bullies’. Não se fazia nada para o impedir porque não era visto como uma coisa
importante, Se toda a gente passa por isso porquê preocuparmo-nos?
Descobriu-se
então que havia motivo de preocupação...
As investigações mostraram que está associado com a depressão, com o isolamento
dos pares, com ansiedade. Constatou-se que os agressores têm mais probabilidade
de virem a desenvolver comportamentos de delinquência juvenil, de virem a ser
presos em adultos.
É possível
traçar um perfil da vítima de bullying?
Crianças mais pequenas, mais fracas, mais tímidas, deprimidas e ansiosas, que
não têm boas competências sociais, que podem não ter as vantagens de outras
crianças, por exemplo, se toda a gente anda com uns sapatos de marca e a
criança não tem dinheiro para os comprar... É a criança isolada sem amigos,
sozinha.
As
investigações dizem que há grupos específicos que tendem a ser alvos
preferenciais...
As crianças com algum tipo de deficiência, que andam na educação especial, que
têm direito a senhas de almoço na escolas, que são vistas como sinal de
pobreza, migrantes tendem a ser alvo de bullying com mais
frequência do que outras crianças.
É o ser
diferente?
O que é determinante é ser a minoria. Mas tudo depende do contexto. Conduzi um
estudo numa escola onde a maioria da minha amostra eram miúdos brancos de
origem anglosaxónica e havia uma minoria de hispânicos e estes, neste caso,
tendiam a ser mais vitimas de bullying. E encontrei o contrário,
numa pesquisa que fiz numa escola junto à fronteira com o México, onde a
maioria dos alunos eram mexicanos, eram os brancos que tendiam a ser mais
vítimizados. Existe uma necessidade para a conformidade e quem ameaça isso, no
sentido de que ‘somos todos iguais’, tende a ser mais vitimizado.
É a lei da
sobrevivência, como no início dos tempos.
É a lei dos mais fortes. Se pensarmos nos primeiros seres humanos a existência
de uma hierarquia era importante. Se há um grupo de famílias que vive na nossa
caverna e chega um agressor de outro grupo de famílias, ou um tigre para nos
atacar, não temos tempo para decidir ‘como é que nos podemos organizar?’. Não,
precisamos de saber que ‘x’ é o topo e nós fazemos todos o que ele disser.
Houve uma necessidade evolutiva de ter uma hierarquia. A necessidade de
agressão, de hierarquia foi muito importante para os grupos sociais. Mesmo que
hoje já não seja tão importante persiste, torna-se um traço das interacções
sociais. Todos os nossos governos são hierárquicos. Já não precisamos destes
comportamentos para sobreviver mas eles persistem.
Como se
continuássemos a ser primários?
Os miúdos são óptimos a observar quem é o mais poderoso. Quando vêem que a
pessoa mais agressiva tem mais poder, vantagens, melhores empregos, assimilam
‘este é um comportamento útil, vou imitá-lo’. Temos todos estes programas e
intenções para ajudar os miúdos a melhorarem os seus comportamentos e queremos
educar os nossos filhos a tratarem-se uns aos outros de forma bondosa, mas, nos
Estados Unidos, os políticos, as celebridades são o oposto do que queremos
ensinar os nossos filhos a ser. É uma contradição, é confuso. O que eles vêem à
sua volta é exactamente o oposto do que lhes queremos ensinar.
Nas suas
investigações constata que muitos miúdos vitimizados não contam aos adultos.
Porquê?
Eles sentem que ainda correm o risco de serem vistos como queixinhas. Contar a
alguém é visto como um acto de cobardia. Alguns acreditam que os professores
não são úteis. Que contar pode piorar ainda mais as coisas e eles não querem
correr esse risco.
O que é que
os adultos podem fazer, neste caso os professores, para melhorar a situação
quando as crianças a decidem denunciar?
Uma das formas de agir que as investigações provaram que os miúdos valorizam é
quando o adulto diz que vai agir, e depois faz o follow up, dois
dias depois, uma semana depois. A seguir, o comportamento que se comprovou ser
mais útil é simplesmente ouvi-los, mostrar preocupação, é eles entenderem que
são levados a sério.
Em vez de
desvalorizar...
Se um miúdo tem uma pequena borbulha e diz que lhe chamam “cara de pizza”, como
me aconteceu a mim quando era pequena, responder ‘isso é uma palermice’ não
ajuda. Tem de se tentar perceber até que ponto a criança se sente humilhada e
com medo. É importante perguntar-lhe até que ponto isso a perturba e não
pressupor que a situação só é grave quando a criança está a ser agredida
violentamente. A seguir, o que mais ajuda é aconselhar. O professor pode não
intervir publicamente na aula, pode dizer apenas ‘talvez se tentares isto’ e
depois falamos outra vez para ver como correu. Muitas campanhas antibullying nas
escolas incluem apresentações na aulas, trazer um orador para falar sobre o assunto,
a investigação diz que este tipo de iniciativas não tem grandes efeitos.
Há
comportamentos dos adultos que tornam as coisas piores?
Há coisas completamente contraproducentes. Não ajuda dizer-lhes ‘estás a ser
queixinhas’ e isso acontece, por mais que nos surpreenda. Eu sou
testemunha-perita num julgamento que está a decorrer em que um miúdo de 11 anos
se suicidou, e uma das professora a quem ele se queixou disse-lhe ‘pára de te
queixar a toda a hora’. Não se trata de queixar, é reportar, denunciar. Era um
miúdo com fenda palatina que mesmo depois da cirurgia ficou com uma voz
assobiada. Tinha havido queixas de bullying à directora,
registo de trocas de emails dos pais com professores e nada se fez.
Há adultos
que ignoram?
Muitos estudos dizem que 8% a 10% das denuncias feitas aos professores são
ignoradas. E ignorar a denúncia e pensar que ‘faz parte do processo de
crescimento’ é das coisas piores que se pode fazer nestes casos. Os currículos
dos cursos de professores raramente contemplam as questões do bullying em
profundidade. Passa-se algum conhecimento de background, diz-se por
exemplo que há formas sociais, verbais ou físicas de bullying, mas
não se dá ferramentas para lidar com o problema.
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