domingo, 17 de junho de 2012

O trabalho deixou de proteger as pessoas da pobreza

Eis as declarações do sociólogo Agostinho Rodrigues Silvestre a Natália Faria, no Publico de ontem, a propósito da comunicação que vai apresentar no VII Congresso Português de Sociologia que irá de decorrer em breve (ver Etiquetas Eventos).
Deixo-vos aqui essas declarações, pela sua lucidez e para repensarmos os comentários (generalistas) que fazemos sobre os jovens não terem valores de trabalho:
“O trabalho deixou de constituir uma proteção contra a pobreza, tendo-se transformado num mecanismo de aprofundamento das desigualdades sociais".

(O trabalho está a deixar de ser veículo de emancipação e, mais do que isso,) "a necessidade de as sociedades se reorganizarem para deixarem de ter no trabalho a primordial fonte de rendimento dos cidadãos"..


"O desemprego em Portugal cresceu de uma forma consistente entre 2000 e 2010, ou seja, numa década passou de 4% para 11% e o que a crise veio fazer foi apenas agudizar essa tendência. O que isto nos mostra é que o modo como as sociedades se organizaram a partir da revolução industrial, mas sobretudo a partir da II Guerra Mundial - em que o trabalho se consolidou como princípio organizador da vida individual e colectiva e foi proclamado como referência identitária e medida das permutas sociais - vai ter que sofrer uma profunda transformação".


"O próprio sistema de proteção social está muito ligado à posição que o indivíduo ocupa no sistema produtivo e a ideia que tem vindo a ganhar consistência, nalguns movimentos intelectuais e nalgumas linhas de investigação, é que esta lógica terá que ser substituída por aquilo a que se tem chamado rendimento médio de cidadania, a atribuir a cada cidadão independentemente da posição que este ocupa no sistema produtivo".


(De onde viria o dinheiro?) "Por via de uma reformulação total do sistema de Segurança Social, isto é, pela canalização dos recursos afectos a abonos de família, reformas, etecetera, para esse rendimento médio. É uma ideia polémica, mas há cálculos que demonstram que 80% do que se gasta hoje com essa proliferação de apoios chegariam para pagar a todos os cidadãos com mais de 18 anos esse rendimento médio, cujo valor teria que ser discutido, não ao nível de Portugal ou Espanha, mas de toda a Europa e até do mundo ocidental."
"O Estado põe no indivíduo a responsabilidade de procurar emprego, o que, numa altura em que o trabalho entrou em desordem mas continua a habitar a ordem social, pode significar forçar os cidadãos a procurar uma coisa que não existe".

Sem comentários: