segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Automutilação



Parte do artigo de Maria João Lopes Cicatrizes de uma dor interior insuportável  - Publico 11 de fev 2013 -  sobre automutilação na adolescência:

"O último relatório Health Behaviour in School-aged Children, promovido pela Organização Mundial de Saúde e realizado em Portugal por uma equipa coordenada por Margarida Gaspar de Matos (ver aventurasocial.com), refere que 15,6% dos jovens dos 8.º e 10.º anos já se magoaram de propósito. A partir de uma amostra de 5050 jovens com uma média de 14 anos, os investigadores verificaram que 15,6% já se tinham agredido pelo menos uma vez no ano anterior.…

Violência autodirigida; automutilação; auto-agressão
“Não existe definição consensual”, diz o psiquiatra Diogo Frasquilho Guerreiro, que está a fazer um doutoramento sobre o tema. Pode incluir jovens que se cortam ou se queimam deliberadamente, saltam de alturas, batem a si próprios, ingerem objectos, muito comummente cortantes, ou medicamentos, álcool, e drogas em excesso, sempre com o intuito de se magoarem. De uma forma geral, o mais frequente é a destruição deliberada da superfície corporal, através de cortes, queimaduras ou beliscões, por exemplo. Também Diogo Frasquilho Guerreiro fez, nos últimos dois anos, em conjunto com Daniel Sampaio e Maria Luísa Figueira, do departamento de Psiquiatria e Saúde Mental da Faculdade de Medicina de Lisboa, um estudo sobre comportamentos autolesivos em jovens entre os 12 e os 20 anos da Grande Lisboa. Os resultados, ainda preliminares, indicam que 7% dos jovens já realizaram pelo menos uma vez comportamentos autolesivos e 10% já pensaram nisso.

Merece, porém, uma atenção distinta quem o realiza não como uma experiência isolada, mas repetidamente: 3,5%. Neste estudo, as sobredosagens foram, depois dos cortes e das queimaduras, as formas de autolesão mais comuns. Verificou-se ser um acto impulsivo, que quatro em cada cinco jovens o fazem em segredo, e só um em cada cinco pede ajuda. Apesar de, na maioria das vezes, os jovens não terem como intenção o suicídio, dois em cada cinco referem ter tido períodos em que queriam mesmo morrer.

Testemunhos
Foi o caso de Ana, de Leonor, de Maria e de Rui. Todos eles tiveram, em algum momento, vontade de desistir da vida. Apesar, porém, de estar associado a um grande sofrimento interior, o que define este comportamento, segundo Margarida Gaspar de Matos, é o querer magoar-se a si próprio de propósito, com o objectivo de se acalmar e gerir emoções, e não uma ideação suicida.
Tal não significa, contudo, que estes jovens não tenham maior propensão para cometer suicídio, para além de estarem sujeitos ao risco de um desfecho trágico por acidentalmente cortarem uma veia. “A presença deste tipo de comportamentos é um factor de risco comprovado para suicídio completo. É um sinal. É vulgar a ideia de que estes comportamentos são ‘só para chamar a atenção’

"Mesmo nos casos em que é assim, estes jovens têm risco aumentado de suicídio”, frisa Diogo Frasquilho Guerreiro (psiquiatra)

Baixar a irritação e a ansiedade, sentir adrenalina, procurar alívio e autopunição são algumas das justificações apontadas pelos jovens, na investigação feita por Margarida Gaspar de Matos (psicóloga).
Apesar de cada caso ser um caso, o que os especialistas percebem é que quase todos estes adolescentes têm não só dificuldade na expressão das emoções, como recursos mais fracos para lidar com o stress.
“Normalmente, há uma frustração e eu não consigo resolver determinado conflto.” É-lhe difícil, por exemplo, pedir desculpa e andar para a frente, “deixar aquilo por ali”. “E se a outra pessoa passa a ter pena de mim, a preocupar-se comigo, quase que quebra ali imediatamente a discussão, aquele mau ambiente”, diz. Leonor
Quando estava mais nervoso, os cortes eram piores, mais fundos. Fazia-o, porque “a dor emocional” era “tanta” que só com uma dor física a conseguia iludir: “A vida tem o lado bom e o lado mau. Eu lidava pessimamente com o mau”, admite. Recorda-se de ficar num estado de “relaxamento total absoluto” quando se cortava: “Começava por sentir calafrios e, depois, fi cava relaxadíssimo. Via o sangue a correr, o corte, a dor… No início do corte, sentia o coração a bater, a bombear, tinha mesmo arritmias esquisitas. Depois, quando parava e ficava a olhar, sentia-me muito aliviado”. Diz Rui

Margarida Gaspar de Matos (psicóloga) acrescenta:

“Quando os pais começam a ver que, de modo sistemático, o jovem toma um comportamento de tensão, retraimento, isolamento, conflituosidade, desistência, abatimento, e quando isso começa a ser uma característica saliente e permanente da sua maneira de ser habitual, por vezes oscilando entre o tenso e o abatido, então pode estar a passar por um período de vida em que está a ser ultrapassado pelas circunstâncias e pode estar a precisar de ajuda”.
Eduardo Sá (psicólogo) frisa que é preciso perceber se aquele jovem já se sente “na pré-reforma em relação à vida”: “São adolescentes que sentem uma dor que não conseguem gerir, uma dor que os mortifica por dentro”.

Os especialistas alertam, contudo, para o facto de, mais do que a existência de uma circunstância particular na nossa vida, o que importa sobretudo é a forma como lidamos com ela. Para o psicólogo Eduardo Sá, o que um episódio traumático faz é pôr em causa “os recursos acumulados até aí e as relações que temos, com a família e com os pares”, para o superar.
Dito de outra forma: há quem consiga ultrapassar as circunstâncias e quem se sinta ultrapassado por elas. Mas a mensagem de quem estuda o tema é de esperança: a maior parte das vezes a automutilação na adolescência supera-se.
Vale a pena, porém, pedir ajuda.
(Os casos mais preocupantes constituem os adolescentes com uma estrutura de estados-limite ou borderline, em que as auto-agressões são produzidas para atribuir um sentido de eu coeso - o corpo e a mente sentem em uníssono - visto haver uma difusão da identidade, digo eu).

O texto da Associação Americana de Psicologia:
 http://www.apa.org/monitor/2015/07-08/self-injury.aspx

imagem retirada daqui

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