O artigo de RITA LOPES DA SILVA, Neuropediatra
do CADin, com o título “Quando uma
criança não fala bem…” que saiu no Jornal publico de 19.06.14:
"As preocupações em relação ao desenvolvimento da fala e da linguagem, são
frequentemente referidas por pais, outros familiares e educadores de crianças
na idade pré-escolar. Esta perturbação do desenvolvimento surge em cerca de 10%
das crianças até aos 5 anos de idade, sendo considerada grave em 1% das
crianças.
A fala pode ser definida como o acto motor da expressão verbal,
apresentando como características a articulação dos sons, o timbre da voz ou o
ritmo do discurso. A linguagem é uma função cerebral muito complexa que utiliza
um conjunto de símbolos para expressar ideias e pensamentos. No seu conjunto, a
fala e a linguagem são fundamentais para a comunicação verbal e facilitadoras da
integração social.
Ainda durante a gravidez, o feto é capaz de distinguir sons da língua
materna e a voz da mãe e logo nos primeiros meses após o nascimento começa a
emitir sons, mais tarde a palrar e a produzir palavras e depois frases. A
estrutura do discurso e a capacidade de adequação do mesmo ao contexto social
sofrem modificações ao longo dos anos, sendo também influenciadas pelas
capacidades cognitivas da criança. O nosso vocabulário é expandido durante toda
a vida, pelo que se pode afirmar que o desenvolvimento da linguagem nunca
termina.
O desenvolvimento da linguagem surge em todas as culturas e línguas, porém
com diferenças no modo de aquisição dos sons produzidos ou da estrutura
gramatical das frases. Existem igualmente variações, consideradas normais, no
número de palavras, construção das frases ou inteligibilidade do discurso em
crianças da mesma idade. Enquanto algumas crianças dizem desde muito cedo
várias palavras inteligíveis, que mais tarde juntam e constroem frases
progressivamente mais complexas, outras produzem inicialmente um discurso com
frases longas, porém difíceis de entender mesmo para os familiares próximos.
São considerados sinais de alarme a criança não palrar consoantes ou vogais
aos 8 meses, não apontar aos 12 meses, não dizer nenhuma palavra aos 16 meses,
não fazer expressões de duas palavras aos 2 anos, não construir frases aos 3
anos, usar uma linguagem incompreensível para os pais aos 2 anos e para
estranhos aos 3 anos, não contar uma história aos 3 anos, ter erros na articulação
das palavras aos 6 anos, ou existir uma suspeita de regressão da linguagem em
qualquer idade.
O desenvolvimento da linguagem ocorre espontaneamente numa criança
saudável, sendo para tal necessário que tenha um nível cognitivo adequado,
audição mantida, aparelho fonatório (estruturas envolvidas na fala) íntegro,
seja convenientemente estimulada e tenha vontade de comunicar. Assim, perante
uma criança que não fala bem, devemos questionar se poderá ter uma surdez,
atraso global do desenvolvimento, perturbação do espectro do autismo ou se a
estimulação está a ser insuficiente.
Utiliza-se o termo Atraso Isolado de Linguagem quando a aquisição se faz de
forma típica, embora mais tarde do que a idade habitual para cada etapa.
Apresenta erros característicos na construção de palavras ou frases, por
exemplo omitindo alguns sons ou produzindo erros gramaticais como “este carro é
minho” ou “ouvam todos”. Esta perturbação tem geralmente uma boa evolução e
entre os 4 e 5 anos de idade está recuperada.
Na Perturbação Específica do Desenvolvimento da Linguagem (PEDL) a
aquisição é qualitativamente anómala e a criança comete erros diferentes dos
referidos anteriormente no Atraso Isolado de Linguagem. Apesar de parecer que
tem apenas dificuldade em se expressar verbalmente, compreendendo tudo o que
lhe é dito, tal facto não se confirma quando é feita uma avaliação formal da
linguagem.
Nem sempre é fácil distinguir entre uma variação normal e uma perturbação
do desenvolvimento da fala ou linguagem. Sempre que existir alguma dúvida ou
preocupação deverá ser partilhada com o médico assistente (médico família ou
pediatra), que poderá referenciar para uma consulta especializada de
Desenvolvimento ou Neuropediatria e se necessário pedir uma avaliação por um
terapeuta da fala.
Quando se coloca a hipótese de perturbação da linguagem deve ser realizada
uma avaliação da audição, nível cognitivo, desenvolvimento da linguagem e
motor, integração social e comunicação. Raramente é necessário efectuar exames
de diagnóstico como TAC, ressonância magnética ou EEG, excepto se há história
de epilepsia, regressão da linguagem ou alterações no exame físico/neurológico.
A intervenção deve ser multidisciplinar e adaptada às necessidades
específicas de cada criança, visando reforçar a interacção social e a intenção
comunicativa. Consiste na reeducação e treino em terapia da fala e num
enquadramento escolar adequado, não existindo medicamentos que estejam
indicados para esta situação clínica. É fundamental prevenir e tratar os
problemas emocionais, comportamentais e o isolamento associados a este tipo de
perturbações.
O prognóstico das perturbações de desenvolvimento da linguagem é variável.
Quando o diagnóstico é feito na idade pré-escolar, um terço das crianças
recupera antes dos 6 anos. Porém, estas perturbações associam-se por vezes a
dificuldades de aprendizagem, nomeadamente da leitura e escrita, perturbações
emocionais e do comportamento e, mais tarde, dificuldades de inserção social e
profissional."
O negrito é meu.
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