Artigo de opinião do Psiquiatra e Terapeuta Familiar, Daniel Sampaio, que saiu na Revista 2 do Jornal Publico do passado domingo:
"Este ano de 2015
completam-se 30 anos de publicação, em Portugal, do primeiro livro de terapia
familiar. Foi em 1985 que eu e o José Gameiro publicámos Terapia Familiar, nas
Edições Afrontamento. Esta obra está hoje, como é evidente, um pouco
desactualizada, mas na altura constituiu um marco na divulgação da terapia
familiar sistémica como forma de intervenção em saúde mental. Vários cursos,
realizados nos anos seguintes, utilizaram o livro como manual de aprendizagem e
muitos formandos elaboraram trabalhos tendo como base as nossas páginas.
Trinta
anos depois, a terapia familiar sistémica evoluiu muito. Já não temos a ideia,
um pouco romântica, de que uma intervenção bem feita, proposta por um terapeuta
experiente, poderia conduzir a uma grande mudança. Nem temos a convicção de
outrora, de que certas perturbações psiquiátricas derivavam de comunicações
distorcidas nas famílias de origem. Hoje sabemos que as doenças da mente
resultam da interacção complexa de factores biológicos, psicológicos e sociais,
e que a intervenção deve reunir uma série de procedimentos terapêuticos
ajustados a cada caso, de modo a potenciarmos sinergias para podermos ser cada
vez mais eficazes.
A
terapia familiar sistémica, todavia, continua a ser fundamental em muitas
situações. Refiro-me a problemas relacionados com crianças, adolescentes e suas
famílias, bem como as questões originadas pelas interacções com sistemas
sociais como a escola, o grupo juvenil e os tribunais (sobretudo na relação com
o divórcio dos pais). Ouvindo a família e interagindo com ela, o terapeuta fica
na posse de informações essenciais para a condução da terapia, ao mesmo tempo
que mobiliza e ajuda as famílias na sua missão de cuidar.
Quando
oiço dizer, na televisão, que faltam camas de internamento para tratar as
perturbações psiquiátricas da infância e da adolescência, não posso deixar de
concordar. Em vários distritos existe apenas um pedopsiquiatra e muitos
psicólogos que se ocupam dos casos, apesar do seu meritório trabalho,
necessitariam do apoio de médicos para poder levar a cabo um atendimento
correcto. Em muitos casos, teria sido importante falar com a família, em vez de
propor um internamento, porque todas as organizações familiares, em maior ou
menor grau, têm possibilidade de responder às crises e de encontrar
alternativas ao seu funcionamento. A minha experiência de 35 anos de trabalho
com famílias mostra que, muitas vezes, basta sermos capazes de estruturar uma
conversa — em que todos os membros da família podem fazer ouvir a sua voz e
escutar a de outro — para que aquele conjunto de pessoas que vive em conjunto
passe a ser capaz de conseguir um nível mais tranquilo de comunicação, de onde
vão emergir soluções para os seus problemas.
Num
caso recente de que tive conhecimento, em que uma adolescente de 16 anos se
recusa a frequentar a escola, a intervenção tem consistido em sessões mensais
com pai e mãe, conduzidas por dois médicos, enquanto a jovem é seguida
individualmente por uma psicóloga. Segundo relato dos pais, as intervenções
terapêuticas surgem descoordenadas, sobretudo os progenitores não se sentem
ajudados a lidar com a filha. Seria muito mais simples se todos falassem em
conjunto, numa sessão de terapia familiar sistémica!
A
terapia familiar deveria ser hoje chamada “terapia com a família”, no sentido
em que precisamos de a mobilizar e depois ajudar, qualquer que seja a sua
configuração actual."
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