segunda-feira, 5 de março de 2012

Coimbra de Matos sobre a adolescência



Anabela Mota Ribeiro entrevista o psicanalista António Coimbra de Matos. Dessa entrevista com o título - Paciente: Portugal; Diagnóstico: depressão desamparada -  pulicada na Publica de 4 de Março de 2012 retirei esta pequena passagem sobre a adolescência. A entrevista na integra, encontra-se no meu outro blogue:
 - Incalculável Imperfeição na etiqueta Entrevistas.
Anabela M. Ribeiro: Essa construção e esse desígnio correspondem a um sair da casa dos pais, a uma libertação das referências do passado?
A. Coimbra de Matos A evolução natural é mais pela conquista do que pela perda. Há tempos ouvi um colega meu que dizia que a adolescência era um período terrível, em que se tinha de fazer o luto da infância, uma série de lutos. Respondi-lhe dizendo que nunca vi os adolescentes vestidos de preto. Conquista-se autonomia, capacidade de decidir por nossa conta. O que nos deve entusiasmar é aquilo que não sabemos, não aquilo que sabemos. O verdadeiro cientista põe perguntas e tem poucas respostas, interessa-se por aquilo que não sabe e que quer descobrir, não por aquilo que já sabe.

Anabela M. Ribeiro: Na adolescência, aliada a uma curiosidade e a uma turbulência instigadora, temos uma coisa preciosa: a rede, que sabemos que está lá para o caso de cairmos.
A. Coimbra de Matos A adolescência é um período de autonomia assistida. Mas aí, mais uma vez, a geração dos mais velhos aceita mal. “Se quiseste sair de casa, agora aguenta-te.” Há uma certa dificuldade em deixar partir e ficar como reserva de retaguarda. Isto levanta outra perspectiva, que é a dificuldade de aceitar a morte. Não aceitamos a nossa decadência, temos de manter os filhos dominados.
Permitir a liberdade dos fi hos é sentir que já não estamos cá a fazer nada, que somos menos úteis. Somos o primeiro animal que tem consciência da finitude da existência, os outros têm medo da morte imediata. Só há um processo para ultrapassar aquilo a que chamo “a angústia essencial”, a angústia [que resulta da] consciência de que temos um prazo (apesar de nunca se ultrapassar totalmente, transcende-se um pouco isso): realizando alguma coisa, uma obra, transmitindo cultura.

Anabela M. Ribeiro: São pouquíssimos os casos de pessoas que acham que não se realizam através dos filhos e dos percursos dos filhos.
A. Coimbra de Matos: Ter gosto que o filho progrida é normal e saudável.Ter gosto que o filho continue a obra do pai, que seja médico como o pai, que trate da quinta como o pai tratava, ou que siga o mesmo partido político, que tenha as mesmas ideias sociais, é um disparate. Porque não permite a evolução. A evolução faz-se por fracturas. Há duas ideias sobre o progresso; há a ideia de que o progresso se faz na continuidade — acrescenta-se àquilo que já se sabe, na mesma linha. Um exemplo disso era a evolução na continuidade do Marcelo Caetano; e há outra ideia de progresso, que é por ideias fracturantes. Sou apologista desta.
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