domingo, 25 de março de 2012

A psicologia das dietas


Michelle Segar psicóloga, foi entrevistada por Ana Gerschenfeld para o Jornal Publico. Essa entrevista com o título "Fazer exercício e dieta é como namorar dois homens ao mesmo tempo", datada de 24.03.12 está aqui, na íntegra:

Como criar uma relação a longo prazo com o exercício físico? Como encaixar esta atividade na nossa vida, já de si muito preenchida?
Michelle Segar, guru norte-americana de Psicologia Motivacional aplicada à atividade física, acha que as razões que damos a nós próprios para fazer exercício físico estão todas erradas, porque seguem paradigmas médicos de saúde e de perda de peso que só nos convencem durante um curto período de tempo.
Esta investigadora da Universidade do Michigan - que é também empresária e autora de um método de mudança do comportamento nesta área - deu uma conferência em Oeiras no fim-de-semana passado, a convite de Pedro Teixeira, professor da Faculdade de Motricidade Humana, no âmbito de um seminário sobre a promoção de hábitos de vida saudáveis. A construção de uma relação sustentável e duradoura das pessoas com a atividade física, explicou Michelle Segar ao PÚBLICO, passa por redefinir o que nos motiva a ser ativos - e por perceber que bastam 15 minutos por dia para melhorar o resto das 24 horas.

Qual é o objetivo central da sua investigação?
M.S: Interessa-me sobretudo perceber as razões, saber quais são as motivações, que levam as pessoas a fazer exercício físico de forma sustentável, a longo prazo. E também olhar para a maneira como a nossa cultura nos educa socialmente para a prática de atividades físicas, porque isso determina as atitudes da população.

E o que concluiu?
M.S: Que há qualquer coisa que não bate certo. Em 75% dos casos, as pessoas fazem exercício físico quer pelos benefícios para a saúde, quer para perder peso. Ambas são razões lógicas - e culturais. Mas, quando analisamos as motivações que mais promovem a manutenção a longo prazo deste comportamento, vemos que as duas razões referidas correspondem, na realidade, aos níveis mais baixos de exercício físico. É esse o problema.

E acha que a baixa motivação produzida por estas razões se deve ao facto de ambas serem do âmbito médico?
M.S: Sim. Mas, se me tivesse perguntado isto há seis anos, não teria respondido a mesma coisa, porque pensava que as razões de saúde eram boas razões para as pessoas se tornarem mais ativas. Só que, para as pessoas ocupadas, que trabalham full-time, a saúde é uma razão demasiado abstrata, à qual é muito difícil conferir uma prioridade elevada no dia-a-dia.
De facto, os cientistas têm estudado a prática de atividade física de uma forma muito míope. Para perceber como produzir um comportamento sustentável, é preciso recolocá-lo no contexto de todas as outras coisas que fazemos na nossa vida quotidiana.

Estuda sobretudo mulheres de meia-idade. O que as motiva mais para a prática de actividades físicas?
M.S: Aspetos relacionados com a sua qualidade de vida quotidiana, tais como a melhoria do bem-estar e a redução do stress. Acho que é por aí que devíamos começar a promover o exercício físico. Quando estamos menos stressadas gostamos mais do nosso trabalho, somos mais criativas, não ficamos tão irritadas com os nossos cônjuges, temos mais paciência com os nossos filhos. Sentimo-nos mais felizes. As mulheres nem reparam nisso porque estão sempre a pensar nisto [bate com a mão na barriga]. Mas quando as ensinamos a reparar nesse aspeto, a sua forma de encarar a atividade física muda totalmente.

E o método que desenvolveu tenta ensinar as pessoas a focar-se em que vantagens?
M.S: É um método focado nas motivações. A primeira etapa consiste em criar motivações sustentáveis. Mas o processo não acaba aqui. Numa segunda etapa, é preciso ajudar as pessoas a darem prioridade à atividade física para conseguirem aumentar o seu bem-estar e qualidade de vida. Ora, enquanto a criação de motivações é muito rápida, a reavaliação das prioridades é mais complexa, porque tem a ver com o valor que atribuímos às nossas diversas actividades diárias e não apenas ao exercício físico. Onde é que se encaixa a actividade física? Isto é mais difícil de mudar.
É claro que não há nada que funcione para toda a gente. Mas, quando falamos de exercício físico desta nova maneira, vemos que o facto de reduzir o stress nos permite fazer melhor as outras coisas que consideramos prioritárias. Esses 15 minutos por dia de exercício são um investimento cujo retorno é exponencialmente maior.

Já trabalhou com pessoas que não queriam fazer exercício, que achavam isso a coisa mais chata do mundo, e que acabaram por tirar prazer dessa actividade e encaixá-la nas suas vidas sobrecarregadas?
M.S: Sim. Antes de começarmos e no fim do processo, as participantes preenchem um formulário onde, entre outras coisas, lhes peço para avaliarem a atividade física numa escala de 1 a 5, que vai de "tarefa chata" (chore) a "recompensa" (gift). No início, dão a nota 1 ou 2, porque a maior parte das mulheres vê o exercício físico como mais uma obrigação chata. Mas, no fim, quase todas dão a nota 4 ou 5.

E depois, mantêm-se activas?
M.S: Os NIH (National Institutes of Health) financiaram um estudo [que envolveu 226 mulheres saudáveis com idades entre os 40 e os 60 anos] no qual testei o meu método de intervenção durante seis semanas. O estudo mostrou que, 10 a 14 meses após a intervenção, 50 a 75 por cento das mulheres mantinham níveis ainda relativamente altos de atividade física.

Ainda há quem recomende uma "dose" mínima diária de exercício físico, mas o discurso "oficial" tem-se tornado mais flexível. A que se deve esta mudança?
M.S: A principal razão é que as abordagens rígidas não funcionam. O impossível não é sustentável. As autoridades de saúde cometeram um grande erro tático, promovendo um ideal. Temos estado a dizer às pessoas: [faz voz grossa] "toda a gente tem de fazer 30 minutos de exercício moderado a intenso, cinco dias por semana". Mas, quando ensinamos os miúdos a tocar piano, não começamos com Mozart! A mensagem devia ser - e isso começa a acontecer - "levantem-se, mexam-se mais e vejam como se sentem"! Uma outra razão para a mudança de discurso são os estudos que mostram até que ponto passar o dia sentado faz mal à saúde. Fazer com que as pessoas se levantem da cadeira, mesmo um nadinha, é realmente indispensável.

Estudos como os seus têm influenciado as mensagens?
M.S: Fui entrevistada pela consultora do Colégio Americano de Medicina Desportiva - os responsáveis, nos EUA, por uma campanha intitulada O exercício é um medicamento (Exercise is medicine). Estão a reposicionar-se, a fazer o rebranding da campanha dirigida ao público - porque se, para os clínicos, o mote atual pode ser adequado (desde que os ensinemos a falar com os seus doentes...), para as pessoas em geral, que nem sequer tomam os seus remédios quando estão doentes... O medo não é motivador e acho mesmo que as mensagens vão começar a mudar.

As motivações dos homens e das mulheres para fazer exercício são as mesmas?
M. S: Os nossos resultados ainda não foram publicados, mas posso dizer que constatámos que as respostas a certas mensagens sobre a saúde, a perda de peso e o bem-estar não eram iguais nos homens e nas mulheres. Não sei se pelo facto de as nossas mensagens não se adequarem bem aos homens ou porque existem diferenças reais. No marketing tradicional, as mulheres e os homens são tratados de maneira diferente e talvez isso também valha para o exercício físico. Temos de estudar muito mais o marketing.

O que pensa das dietas?
M.S: Não tenho trabalhado muito nesta área, mas penso que aqui também cometemos um grande erro ao utilizar um paradigma médico, neste caso o da perda de peso. Temos andado a dizer às pessoas que deveriam, ao mesmo tempo, iniciar uma atividade física e fazer uma dieta. Se o nosso objetivo é que um comportamento como o exercício seja sustentável ao longo de toda a vida, por que é que lhes pedimos para fazerem tanto de uma só vez? Fazer exercício e dieta é como namorar dois homens ao mesmo tempo.
Para mais, a atividade física não é assim tão eficaz para perder peso! Temos andado a dar informações erradas ao público sobre esta questão. É provável que nem os médicos percebam os contributos relativos do exercício físico e da alimentação, em termos de perda de peso. Pense só na rapidez com que engolimos um bolo de 600 calorias. Glup! e já está! Mas para queimar 600 calorias... nem uma hora de exercício chega. Acho que a associação exercício/perda de peso é prejudicial.

A mensagem em relação à perda de peso também está a mudar?
M.S: Sim. Os industriais estão sempre à frente do pelotão, porque gastam rios de dinheiro em estudos de marketing. E o que é interessante é que até empresas que querem que compremos os seus produtos para perder peso estão a alterar as razões para o fazermos. Estão a deixar de promover a perda de peso e a começar a promover a alegria de viver, a liberdade, a felicidade. Acho que são esses os verdadeiros "iscos". Nos EUA, há um anúncio onde em vez de números, aparecem na balança palavras como essas, que são as coisas que verdadeiramente nos interessam.

Também é motivador incluir uma determinada atividade física no nosso dia-a-dia que não possamos evitar? Deixar o carro em casa, por exemplo.
M.S: Acho este aspecto extremamente importante. Em princípio, as razões exteriores não alteram este comportamento de forma sustentável. Mas quando não temos outra opção... Posso dizer que é precisamente por essa razão que continuo a andar a pé. Moro a cerca de 2,5 quilómetros do meu trabalho e costumava ir lá a pé. Só que, agora, tenho uma criança de quatro anos e o tempo tornou-se o meu bem mais precioso. Mas não abandonei as caminhadas: estaciono o meu carro uns cinco minutos mais perto do meu emprego, num sítio onde o estacionamento é gratuito, e faço a pé a última parte do caminho. Se estacionasse um bocadinho mais perto, multavam-me, e se estacionasse mesmo ao pé tinha de pagar 8 dólares por dia. Não estou disposta a pagar. Este tipo de solução tem duas vantagens: poupa-se bastante dinheiro e encaixa-se o exercício físico na vida quotidiana.

O ginásios e health clubs não são para si?
M.S: Acho que são um modelo masculino do exercício físico. Em geral, são as mulheres que tratam da família, da casa, para além de trabalharem no exterior. Estamos sempre muito ocupadas. Os homens podem dizer: "Querida, volto às sete, vou jogar basquete com a malta". Não estou a dizer que os ginásios não servem, eu própria vou à YMCA e acho que têm um papel a desempenhar.

Existem ginásios para mulheres. São diferentes?
M.S: Promovem mais a socialização. E as mulheres que lá vão não são aquelas mulheres mesmo magras, em forma, com os seus fatinhos ajustados. Foi uma ideia muito inteligente, a de capitalizar no aspeto social.

Imagem retirada de alamedavirtual.com.br.

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