Entrevista de Marta F. Reis no Jornal I de
6.4.15
Psicólogo clínico, psicanalista e
professor de Psicologia Clínica. As crianças são o lado mais visível do seu
percurso profissional que, contudo, não aconteceu por vocação, mas porque
começou a trabalhar com crianças autistas. Eduardo Sá está convencido.
É um dos
psicólogos mais conceituados do país e abriu-nos as portas do seu consultório
em Lisboa para uma conversa sobre a vida, os filhos, os pais e o futuro do país
que, na sua opinião, passa por uma mudança radical na escola e um pacto de
regime para resolver a crise de natalidade, mas também políticas mais
responsáveis. Aos 52 anos, Eduardo Sá admite que ser mediático foi um acidente,
mas que gosta de se sentir útil. Nada lhe enche mais as medidas que o amor.
Li que o
Peter Pan é a sua história preferida, que gosta de pensar que nunca deixou de
ser criança.
Às vezes
tenho medo das coisas que digo e de ser demasiado literalizado quando a ideia
não é essa. Eu não tenho a ideia de que a infância é o momento mais importante
da vida e muito menos acho que seja pintada em tons de azul-bebé e rosa. Não
tenho nada essa ideia. É mais porque acho que as pessoas se estragam de uma
forma inquietante à medida que crescem.
O que
acontece?
Vamo-nos
reprimindo e censurando. Temos os vícios de uma educação judaico-cristã que, em
muitos aspectos, foi uma mais--valia para a humanidade, mas noutros talvez não
seja. De repente ficamos com a noção de que, se nos soltarmos muito, podemos
ficar perigosos, o que é mentira.
Como foi a
sua infância?
Cresci em
Leiria, com uma família muito alargada. Pela minha casa circulavam muitas
pessoas. Tenho duas irmãs, mas era uma casa sempre cheia de primos.
Numa cidade
mais pequena, nesses anos 60, com o que é que sonhava?
Não tive
logo o privilégio de ter uma televisão e lembro-me das tardes infantis e dos
folhetins radiofónicos que nos convidavam a ser audiovisuais, a criar as
personagens. Foi uma infância de grande criatividade e que atravessou esta
fabulosa transformação da sociedade.
O amor
atrapalhou os estudos ou só veio mais tarde?
Devia ter
atrapalhado mais. Eu nunca me dei muito mal na escola, era bom aluno, mas tive
de aprender a gostar. Tive alguns professores que guardo religiosamente na
memória, mas devia ter tido muito mais professores daqueles mágicos, que nos
viram do avesso. Ainda assim, não era um rebelde encartado.
Era um
betinho?
Também não,
mas era certinho. Embora jogasse râguebi. Era popular.
Sempre quis
ser psicólogo?
O meu primo
Oliveira e Sá era director do serviço de Medicina Legal em Coimbra e foi sempre
um homem muito influente na minha vida, assim como o meu pai. Ele gostava que
eu fosse para medicina legal e, como eu tinha boas notas, lá em casa a ideia da
medicina era uma coisa muito acarinhada.
Acarinhada
ou forçada?
Acarinhada.
Na altura não havia 12.o ano, era o chamado ano propedêutico, e tínhamos um
prazo-limite em que podíamos mudar de opção. E foi só no último dia que às 17h
menos dez, eu fui alterar a minha opção de Medicina para Psicologia. Isto
porquê? Apesar dessa ideia da medicina, tinha uma professora de Psicologia
muito importante para mim que me fez seguir outro caminho. Eu achava fantástico
tudo o que era vida mental e, de repente, tinha uma mulher à minha frente que,
de forma apaixonada, falava disso tudo.
Teve alguma
paixoneta pela professora?
Não, de
todo. Era fascinante a forma como ela falava daquilo, como se envolvia. Sentia
que finalmente via respostas para os muitos enigmas que eu tinha coleccionado
na adolescência.
Então,
apesar de popular, era um rapaz introspectivo.
Sim, muito.
Nessa altura era muito intimista, escrevia poesia. E, portanto, à última hora
decidi mudar.
E o pai não
se chateou?
Um dia, no
máximo, mas também percebeu que aquilo era tão forte para mim que não criou
obstáculos. Se tivessem, não sei se teria tido força para lutar contra isso,
pelo respeito que lhes tinha. Mas não aconteceu. Às vezes é isso que acontece.
A vocação
para o trabalho com crianças e jovens foi imediata?
Não é uma
vocação. Fiz um curso absolutamente normal e depois, na parte clínica, tive a
sorte de ter um professor que me direccionou para o trabalho com crianças muito
perturbadas, com autismo grave. E aí tive o meu primeiro grande desafio: para
quem achava que tinha estudado os grandes autores da psicanálise, de repente
via-me com crianças que não falavam bem a minha linguagem e em relação às quais
tinha de mudar completamente a forma de comunicar. E tinha de fazer uma coisa,
na altura, muito difícil. As crianças lêem-nos os olhos e sentem-nos muito bem.
Mesmo essas
crianças?
Mais ainda
que quaisquer outras. E, portanto, não fazia muito sentido eu estar envolvido
naquela leitura tão aparentemente complexa quando me faltava tudo para fazer a
quadratura do círculo.
Foi um
banho de realidade?
Sem dúvida,
foi a melhor escola que podia ter. Ajudou-me a perceber que, às vezes, quando
somos formados para sermos psicoterapeutas, ensinam-nos a ser um bocadinho
falsos e, quando trabalhamos com crianças, ou somos transparentes e autênticos,
ou aquilo que os nossos olhos dizem condiz com as nossas palavras, ou então
perdemo-las.
Nessa
vertente mais pública do seu trabalho apostou na informação sobre
parentalidade. Ser pai é uma tarefa difícil?
Tenho medo
de dizer que é difícil, porque isso é quase sinónimo de dizer que é feita de
uma aragem muito fria. A minha resposta é que tudo é muito difícil porque tudo
é muito complexo e, depois, depende da nossa inteligência e das parcerias que
estabelecemos para tornar o complexo simples. Evidentemente que não é fácil ser
pai.
E nunca
estamos preparados?
Acho que
nunca estamos preparados para coisa nenhuma porque a vida tem essa capacidade
imprevisível. Mas isso não é mau, torna-nos atentos. Tenho medo até dos pais
que querem preparar-se tão bem que, de repente, perdem a hipótese de aproveitar
tudo o que é equipamento-base: o sexto sentido e uma capacidade absolutamente
comovente de criar laços.
Tem quatro
filhos. São parecidos consigo?
A mais
velha tem 28 anos e o mais novo tem 19. Os meus dois filhos mais velhos são
meus colegas. E houve uma altura que fiquei um bocado inquieto com isso.
Com a
hipótese de terem sofrido alguma lavagem cerebral?
Não, disso
tenho a certeza que não. Preocupavam-me duas coisas: que o quisessem ser
exclusivamente porque eu o era ou que não quisessem ser só porque eu era, como se
eu fosse um obstáculo a um sonho que pudessem ter. Eles insistiram e foram por
aí mas, com eles, sou sobretudo pai, não andamos a discutir questões técnicas.
E os mais
novos?
Os mais
novos estão os dois a estudar Gestão. Confesso que foi um alívio.
Qual foi o
maior erro ou disparate que fez com um filho seu?
Cometi
tantos erros que tenho dificuldade em dizer. Mas há um que até foi divertido.
Tive um professor que um dia me chamou e disse: vais ser professor, vais ter
alunos mais velhos que tu e, por isso, vou ensinar-te um truque infalível para
quando te fizerem uma pergunta a que não saibas responder. Então o truque era o
seguinte: quando houver uma pergunta dessas, não deveria olhar bem para o
aluno, mas em direcção ao absoluto, levantar a sobrancelha, fazer uma ligeira
pausa e dizer com um ar muito sério: “Ora aí está uma boa pergunta.” E o aluno
ficaria tão vaidoso que se ia esquecer.
E se se
lembrasse?
Perguntei-lhe
e ele respondeu: com a mesma postura, tinha de perguntar ao aluno o que é que
ele achava e depois dizer: “Está a ver como sabia?”
E fez isso
com um filho?
Um dia
andava a passear com a minha filha e ela olhou para o céu e perguntou o que é
que a lua estava ali a fazer. Esqueci-me que era minha filha e disse: “Boa
pergunta.” A função dos nossos filhos é obrigarem-nos a continuar a crescer,
mas esqueci-me disso. Ela insistiu, eu perguntei-lhe o que é que ela achava e
ela disse que a lua estava no céu a fazer estrelas. Achei uma solução
fantástica mas, se me tivesse armado em pai, podíamos ter discutido os dois,
chegado a uma solução, é isso que os pais devem fazer.
E o que
mais o orgulha?
Adoro ser
pai, tenho dificuldade em escolher. E acho o máximo chegar ao fim-de--semana e
estarmos todos por ali.
Vivem todos
consigo?
Não, mas ao
fim-de-semana estamos juntos. Não é só encontrarmo-nos, os programas são
fascinantes, desde os mais exóticos a estarmos todos juntos a sofrer pelo
Benfica.
Pensamos
sempre que não vamos fazer as mesmas coisas que os nossos pais. É mentira?
Tenho muito
medo daqueles pais que têm a ideia de que criam uma família do zero. Muitas
vezes estão tão presos à sua experiência que não sentem os filhos, não os
conhecem e parecem estar sempre a fugir das experiências que os magoaram ou de
maus exemplos. Faz lembrar uma porta giratória: tentando de tal forma escapar,
acabam por ir dar ao mesmo sítio, ter as mesmas consequências.
O que mais
o incomoda nos pais que vêm ao consultório?
Os que vêm
ao consultório não me incomodam assim tanto porque, se aparecem, é porque se
põem em dúvida. Preocupa--me é aqueles pais que, em vez de quererem ter filhos,
querem transformá-los numa espécie de troféus.
E há muito
disso?
Acho que
há. E também porque há cada vez menos crianças e, quanto mais a relação com a
infância é diminuta, mais as pessoas sentem uma vertigem maior. Costumo dizer
que só começamos a ser pais ao segundo filho; o primeiro é sempre uma criança
em perigo. Mistura-se tudo: os pais que tivemos, os pais que desejávamos ter
tido, os pais que desejávamos ser, os filhos que imaginamos construir.
Preocupa-me que os pais transformem os filhos quase num projecto de carreira e
que não lhes dêem espaço para crescerem como deve crescer, com regras mas com
liberdade, com espaço para todos errarem.
Tem muitos
casos em que os problemas dos jovens resultam dos pais?
Claro que
os pais têm muita responsabilidade por muitas coisas, mas o importante é que,
se pudermos ajudá-los e pudermos tornar as crianças mais simples e acessíveis,
não tenho dúvidas de que são absolutamente fantásticos.
Que erros
se cometem mais vezes nessa relação?
Acho que os
pais falam de uma forma muito complicada. Acho uma ternura que, quando estão
tensos um com outro, tenham aquele devaneio quase infantil de dizer que não
discutem à frente das crianças, que elas nunca percebem que as coisas estão
mal. Quando um pai e uma mãe estão zangados, só faltam terem luzinhas. Acho
que, às vezes, falta transparência na maneira como se fala com as crianças. Não
no sentido de as pôr ao nível dos pais…
O que
acontece muitas vezes?
Sim, há
esse reverso da medalha quando pai e mãe estão num campeonato diferente. Mas,
às vezes, fala-se às crianças como se fossem mais ou menos débeis, quando elas
são brilhantes na acutilância com que percebem as coisas.
Temos
filhos cada vez mais tarde. Perde-se ou ganha-se alguma coisa com isso?
Sendo pai
mais tarde, tem-se mais experiência de vida, pelo que pode ser bom. Mas a
experiência que se ganha sendo mãe ou pai – e quem sou eu para recomendar o que
quer que seja – é tão completa que não merece ser adiada. Dito isto, é verdade
que Portugal é um país estranho, muito pouco amigo das famílias. Nunca houve
uma discussão verdadeiramente séria sobre isso e seria crucial.
Mais
trabalhos a tempo parcial ou vantagens no IRS serão a solução?
Haverá
muitos aspectos, mas o financeiro é crucial. Um filho custa muito dinheiro por
dia. Às vezes, acho que as pessoas que têm responsabilidades políticas não são
tão sérias como deviam ao falar destas coisas. Gostava que explicassem aos
cidadãos como é possível ter dois ou três filhos entre os zero e os seis anos
com os jardins-de-infância a custarem mais por mês do que uma universidade
privada. A ideia de que educamos os nossos filhos nas lojas dos 300 é algo que
as Finanças insistem em imaginar, mas que é um absurdo. E acho inacreditável
que, de há muitas Presidências da República para cá, isto nunca tenha sido um
compromisso de regime.
Além das
dificuldades materiais, ouvimos muitas vezes o desabafo: para quê pôr uma
criança neste mundo? Como o vê?
Acho que é
um bocado vaidoso. Quando olhamos para trás e pensamos nos nossos antepassados,
acho que o mundo em que vivemos fica mais fácil. Apesar de tudo, acredito que o
mundo tem crescido para melhor e parece-me completamente disparatado só pensar
no mal. Se formos menos vaidosos e gananciosos, percebemos que, todos juntos,
fazemos melhor muitas coisas que têm, por vezes, um mau uso e podem ser usadas
em proveito de todos.
Entretanto,
e enquanto se aguardam mais medidas, a ministra das Finanças mandou os jovens
multiplicarem-se. Que solução vê para esta crise de natalidade?
Acho que o
primeiro passo seria aumentar significativamente o vencimento de quem tem
cargos políticos e começar a eleger pessoas que assumam responsabilidades e não
tenham observações infelizes como essa. Acho que a política tem de ser
reabilitada e temos de discutir o que queremos do mundo, das pessoas, do
futuro, e isso é um debate de convicções urgente.
E não tendo
começado na política partidária, sente-o entre as pessoas?
Sem dúvida.
E acho importante que existam novos movimentos. Só acho inquietante que se
fique pelo “podemos” quando podíamos ir ao “queremos”.
Segue esses
movimentos com atenção?
Sim. Acho
que são interpelações muito sérias aos partidos políticos e a uma certa
distracção incompreensível que foram tendo em relação às questões fundamentais,
tanto à esquerda como à direita. Acho que foram cedendo com uma facilidade
inquietante ao populismo e esqueceram--se de que as pessoas não são o que
alguns programadores de televisão imaginam, que consomem sobretudo filmes de
série B e “Casa dos Segredos”.
A escola
tem estado em convulsão nos últimos anos e, mais recentemente, houve este apelo
para eliminar os chumbos. Que diagnóstico faz?
Costumo
dizer que acho que a escola devia fechar para balanço e abrir com nova
gerência.
O que está
mal?
Há muitas
coisas que estão mal e os ministros também, às vezes. Não temos nada mais
importante que a escola. Se o mundo, em particular este lado ocidental, mudou
alguma coisa nos últimos séculos, foi sempre de dentro para fora da escola. Não
tenho dúvidas de que é a invenção mais bonita da humanidade. Tornar o ensino
obrigatório foi a verdadeira revolução tranquila de que temos a obrigação de
nos orgulhar. Tenho medo que o ensino público fique demasiado constipado e que,
de repente, uma revolução como esta se esteja a transfigurar.
Com que
impacto?
Além dos
impactos individuais, não podemos esquecer que a escola é a forma mais simples
de democratizarmos o mundo, é a forma de, a priori, seja qual for a porta de
entrada, as pessoas crescerem em função das suas competências e não tanto em
função dos seus apelidos e da sua classe social. Pode ser a verdadeira entidade
reguladora da vida.
O que devia
mudar?
Tantas
coisas… Acho uma patetice separar o ensino obrigatório da educação infantil,
que devia ser tendencialmente gratuita e para todos. Devia ser proibido ensinar
a ler e escrever nos jardins-de-infância. De repente, estamos a espatifar um
recurso fundamental: não é pelo facto de as crianças serem bons macacos de
imitação que aprendem a pensar e, ao ensinar escrita e leitura aos quatro anos,
estamos a impedi-las de ter essa experiência profunda na idade certa. Acho que
devia ser proibido haver turmas de primeiro e turmas de segundo nível e ser
possível haver escolas só de raparigas e só rapazes.
Mas sempre
houve.
Não faz
sentido porque, se existe uma ideia da educação, é a de integrar. Acho que, se
queremos acarinhar o sucesso educativo, devíamos acabar com aulas expositivas
de 90 minutos e recreios de 10 minutos, quando brincar devia ser património da
humanidade. A escola teima em estragar a criatividade das crianças. É
incompreensível que tenhamos Matemática e Português como disciplinas de
primeira e Educação Musical, Visual e Física como disciplinas de segunda. Acho
que as crianças têm cada vez mais tempo de má escola e, quando dizia “parar
para balanço”, é no sentido de termos de pensar nisto com seriedade – pais,
professores e quem decide as políticas. Neste momento, o que estamos a fazer é
transformar as crianças pequeninas em burocratas de fralda, depois tecnocratas
de mochila e depois acabam todos mestres aos 23 anos, como se fosse possível.
Os seus filhos
andaram na escola pública ou na privada?
Foi sempre
na escola pública até eu me ter zangado, depois de um incidente infelicíssimo
com o meu filho Pedro, mais novo.
Um
incidente académico?
Era um
professor que invariavelmente lhes chamava estúpidos nas aulas. Eu fui ter com
a directora de turma e pedi delicadamente para trazer algum comedimento àquele
professor porque, se o meu filho chamasse uma vez que fosse estúpido a um
professor, eu acharia muito grave. A directora deu-me a única resposta que nunca
aceitaria: não deve levar tão a sério aquilo que as crianças dizem porque elas
inventam muitas coisas.
Percebe os
pais que põem os filhos na escola privada?
Receio que,
às vezes, os pais o vejam como a única solução quando a escola pública sofre,
de facto, de carências inacreditáveis. Quando falamos do preço do aluno por
ano, esquecemo-nos de que a escola pública é o sítio mais inclusivo do mundo, e
isso acresce os custos, que não podem ser iludidos por quem têm
responsabilidades. Agora, é preciso combater a ideia de que as escolas são
tanto melhores quanto mais exclusivas forem. E é isso que está a pegar. Temos
cada vez mais jardins-de-infância em Lisboa que, em vez de terem muitos
meninos, têm seis ou dez. E fico escandalizado quando conheço colégios
católicos que convidam as crianças a sair para não enviesarem os
rankings.
A
pluralidade é uma vantagem no ensino?
Sim. Todas
as crianças têm necessidades educativas especiais, mesmo quando têm boas notas.
Podem ter óptima nota a Português e a Matemática, mas não se safam à baliza nem
a jogar à bola, falta-lhes confiança. E o nosso papel enquanto educadores é
esticar todas essas potencialidades gigantes que as crianças têm e levá--las a
aprender umas com as outras.
Um tema que
está na ordem do dia é a criação de uma lista de pedófilos a que os pais
poderão aceder. Como vê esta ideia?
Não percebo
a leveza com que se tem discutido os abusos de menores na sociedade portuguesa,
o que começou na Casa Pia e continua hoje. É um atentado à vida de uma criança
e merece respostas concretas, mas tenho muito receio desta ideia, de Estados
voluntaristas, e que a certa altura haja milícias populares, casais de
justiceiros.
E
conhecendo a natureza dos pais, é o mais provável?
Sim. Não
acho nem sensato nem prudente, de todo.
Tivemos
três anos de resgate financeiro e caminhamos agora para eleições. Como é que
olha para o país?
Para
começar, sinto muito mal-estar quando vejo que foram suprimidos alguns e como
isso liga com a forma como a história é mal ensinada às crianças. Só temos
direito a ter futuro quando acarinhamos a história. Preocupa-me, depois, a
voracidade com que, às vezes, se tenta conquistar o poder e como alguns
políticos reconhecem que não se ganham eleições falando verdade.
Ao ponto de
se arreliar com períodos de campanha?
Fico
furioso.
Mas vota ou
engrossa a abstenção?
Voto sempre.
Sabe em
quem?
Sei. Sou um
homem de esquerda.
Falou-se
muito da marca da crise nos adultos, na desesperança. Nas crianças e jovens,
que marca ficou?
Na
psicologia, temos a ideia de que as crises são sempre oportunidades de
crescimento, nós é que parece que diabolizamos sempre o que nos pode ajudar a
crescer. O contrário da crise é um impasse. Se calhar, fui ficando mais
preocupado com essa atmosfera de impasse e quase de euforia com que fomos
crescendo durante muitos anos, como se, de repente, tudo tivesse um preço e não
fosse preciso integridade, aquela fórmula infelicíssima, que se banalizou, de
que o importante não é viver, é saber viver.
Portanto,
acreditou que a crise podia ser terapêutica?
Acreditei
que a crise pudesse obrigar os pais a fazer escolhas e que, nessas escolhas,
pudessem ser mais claros nas convicções que têm, passando isso aos filhos.
Preocupa-me que os pais que passaram dificuldades tenham saído muito mais
azedos e muito pouco restaurados. E que isso passe para os miúdos que estão no
10.o e é como se estivessem na pré-reforma. Não acreditam nos sonhos.
O que o faz
mais feliz, além dos filhos e do Benfica?
Escrever
histórias, ficção e não só. Interpelar pessoas desconhecidas, recriar, dá--me
muito prazer.
E que amor
lhe sabe melhor neste momento: de pais, de filhos, da mulher?
Nisso, não
há dúvidas: acho que o amor adulto é o topo-de-gama dos amores.
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